A portaria do Ministério da Fazenda que estabelece limites para compensação tributária de empresas no âmbito de decisões judiciais pode ofender a coisa julgada e deve gerar mais judicialização sobre o tema, em especial pela ausência de detalhes de como a medida vai funcionar. A percepção é de advogados tributaristas entrevistados pela revista eletrônica Consultor Jurídico.
Na noite da última sexta-feira (5/1), o governo federal publicou norma que define regras para essas compensações, delineadas a partir dos valores que podem ser abatidos. Em suma, o texto estipula limites mensais para o uso de créditos obtidos por meio de decisão judicial na compensação de dívidas próprias.
As regras funcionarão da seguinte forma: quem tem créditos que variam entre R$ 10 milhões e R$ 99 milhões, deve compensá-los em, no mínimo, 12 meses; nos casos que variam entre R$ 100 milhões e R$ 199,9 milhões, o prazo sobe para 20 meses; entre R$ 200 milhões a R$ 299,9 milhões, serão 30 meses de prazo; para valores entre R$ 300 milhões e 399,9 milhões, o prazo mínimo será de 48 meses.
Nos créditos que variam de R$ 400 milhões a R$ 499,9 milhões, o prazo mínimo de compensação é de 50 meses. Por fim, nos créditos que superam R$ 500 milhões o prazo sobe para 60 meses. A normativa só tem diretrizes para créditos acima dos R$ 10 milhões.
Para os especialistas consultados, há possibilidade de judicialização por ofensa à coisa julgada, uma vez que a norma pode limitar os efeitos de uma sentença que já transitou em julgado. “Além disso, também há ilegalidade da aplicação dos seus efeitos para indébitos anteriores à sua edição, com base nos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e vedação do enriquecimento ilícito por parte da União”, diz o advogado Alessandro Mendes Cardoso, sócio do Rolim Goulart Cardoso Advogados.
“No que se refere à regulamentação propriamente dita, não está prevista a correção dos créditos pela Selic, no período do início até a finalização da compensação. A não correção dos créditos é uma ilegalidade, caso não seja esclarecida pela Receita Federal a sua possibilidade, e certamente gerará contencioso por parte dos contribuinte.”
“O governo está fazendo mais ou menos como uma família que está bem endividada e começa a vender o almoço para pagar o jantar. Ele está ganhando um pouco de fluxo de caixa, se financiando sobre o contribuinte. Porque quando ele posterga o uso dos créditos, ele sabe que vai pagar depois com juros, mas é juros da Selic. Então é mais barato ele fazer isso do que emitir dívida, por exemplo”, complementa Mateus Bueno, do Bueno Tax Lawyer.
A medida, diz o advogado, é um “desrespeito” com o contribuinte. “Para o contribuinte ter um crédito reconhecido judicialmente, ele já passou cinco a dez anos na Justiça. E agora, mesmo tendo vencido depois de tantos anos, se vê na condição de não poder usar esse crédito de forma imediata , acaba tendo que esperar esses prazos mínimos para fazer o pagamento e gastar caixa para poder quitar sua obrigação no dia a dia”, diz.
Segundo Bueno, o Judiciário deve estabelecer certas diretrizes por meio de interpretações da nova regra, que envolve questões de direito adquirido.
“O Judiciário vai interpretar se a compensação não é um direito do contribuinte, e se essa lei pode disciplinar a colocar esses limites, como já foi feito com a compensação de prejuízo. Aí o contribuinte não vai ter muito sucesso”, argumenta.
Todavia, diz o advogado, “existem bons fundamentos para se discutir que, especialmente para quem já tinha decisões transitadas em julgado e optou pela compensação em vez de precatórios, haveria um direito adquirido de escoar esse crédito”.
“O governo está fazendo mais ou menos como uma família que está bem endividada e começa a vender o almoço para pagar o jantar. Ele está ganhando um pouco de fluxo de caixa, se financiando sobre o contribuinte. Porque quando ele posterga o uso dos créditos, ele sabe que vai pagar depois com juros, mas é juros da Selic. Então é mais barato ele fazer isso do que emitir dívida, por exemplo”, complementa.
Francisco Lisboa Moreira, sócio do Alma Law Advogados, diz que a judicialização deve ocorrer por conta do temor “que o crédito do contribuinte seja alcançado pela prescrição”. “O texto tem um propósito claro de evitar maiores prejuízos ao fluxo de caixa do governo federal, por conta das limitações temporais impostas a contribuintes que poderiam compensar em menos tempo, caso tivessem fluxo de débitos equivalente e que permitisse tal compensação”, afirma.
“Por outro lado, a portaria também não deixa claro que o valor do crédito deve ser considerado isoladamente ou se contempla todos os créditos da pessoa jurídica, no que deve também gerar questionamentos judiciais.”
Fonte: Consultor Jurídico (ConJur)