STJ deve pavimentar segurança jurídica para o Peso por Eixo

Transporte rodoviário possui problemas complexos de dimensão nacional

POR DALTON CESAR CORDEIRO DE MIRANDA

Em outubro de 2021 o STJ noticiava que o “(…) Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar os Recursos Especiais 1.908.497 e 1.913.392, (…), para julgamento sob o rito dos repetitivos.”, cadastrada como Tema 1.104, cujo objeto é “Definir a possibilidade de imposição de tutela inibitória, bem como de responsabilização civil por danos materiais e morais coletivos causados pelo tráfego com excesso de peso em rodovias“[1].

Pois bem, os processos objeto do Tema 1.104 acima mencionado foram pautados pela relatora para sessão de julgamentos desta quinta-feira (22), quase dois anos após o reconhecimento da afetação em comento, às vésperas da aposentadoria da ministra relatora, que, consigne-se, indeferiu a participação como amicus curiae de distintos e diversos atores e agentes partícipes e usuários do modal rodoviário brasileiro, que muito poderiam, podem e poderão contribuir para a boa solução da lide.

Ainda para a matéria e os processos, grandeza e impacto para a economia nacional, frise-se, não foi determinada a realização de audiência pública, cuja importância da realização em temas como o ora pautado pelo STJ, segundo Agustín Gordillo, residiria na possibilidade de se concretizar a segurança jurídica, pois:

“…o fundamento da audiência pública é duplo: serve de um lado, ao interesse público para que não se produzam atos ilegítimos; ao interesse dos particulares de poder influenciar com seus argumentos e provas antes da tomada de uma decisão importante e, ainda, serve para diminuir o risco de erros de fato.”[2]

Mais importante ainda se demonstra a necessidade da ampla discussão do assunto, antes de um veredicto final pelo STJ, pois é cediço o fato de que a afetação de recursos em Repetitivos pelo Tribunal é, em sua larga maioria, exclusivamente para chancelar a jurisprudência fixada nos processos relacionados ao Tema cadastrado, o que é uma preocupação.

Preocupação esta fundada nos seguintes argumentos analítico-factuais:

·         desde 2010, o MPF tem ajuizado Ações Civis Públicas com a tese da responsabilidade objetiva, integral e exclusiva dos embarcadores/transportadores pelos danos materiais à malha rodoviária federal e pelos danos morais coletivos ao interesse público;

·         a base dessa demanda são autuações de trânsito por excesso de peso (art. 231 do CTB);

·         em 2015, a 1ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF (1ª CCR) criou grupo de trabalho para orientar Procuradores da República a atuar nesses casos. Elaborou-se “roteiro” para essas ações persecutórias;

·         após sucessivos julgados do Poder Judiciário rejeitando essa tese (inclusive vários precedentes do STJ), em outubro de 2017, a Segunda Turma do STJ, alterou esse entendimento com o julgamento do RESP 1.574.350; e,

·         essa jurisprudência passou a ser replicada em outros casos da 1ª Seção do STJ.

Combinada a esta inquietação, tem-se ainda de se considerar questões tais como o fato de que o transporte rodoviário possui problemas complexos de dimensão nacional. Sobre a matéria em questão, tomando-se por referência as constatações feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) quando da realização de auditoria para os modais logísticos brasileiros, especialmente a problemática do modal rodoviário: TC 010.173/2019-6, relator ministro Vital do Rêgo (Acórdão 1327/2020) – Lista de Alto Risco na Administração Pública Federal (relatório TCU 2022).

Aliás, é possível afirmar que os seguintes pontos analisados pelo TCU não foram objeto de enfrentamento expresso e direto pelo STJ: (i) qualidade da malha rodoviária; (ii) ausência de boas práticas de planejamento e gestão para as rodovias federais (objetivos, indicadores, metas, atributos para monitoramento); (iii) problemas de regulação e fiscalização das concessões de rodovias federais; (iv) abandono de parte da malha rodoviária (necessidade de investimento em manutenção); e, (v) ineficiência da matriz de transportes no Brasil (excessivamente rodoviarista).

Combinado a isto, há necessidade de exame e aplicação da melhor doutrina técnica publicada sobre o assunto, concluindo, em apertada síntese, que os seguintes pontos devem ser notados para o debate do assunto: (i) heterogeneidade da frota de veículos; (ii) idade da frota; (iii) tipo de carga e acondicionamento; (iv) metodologia de pesagem e características das balanças rodoviárias, em sua ampla maioria com problemas de aferição utilização em contrariedade ao Manual do Produto e normas do Inmetro; e, (v) diversidade dos prestadores de serviço rodoviário.[3]

Em conclusão, mas não menos importante, focando agora a tese sustentada pelo Ministério Público Federal, de que a multa por reparação de danos causados devido ao excesso de peso dos transportes rodoviários de carga deve levar em conta três aspectos: (i) o dano ao pavimento; (ii) o dano à segurança de tráfego dos usuários da via; e (iii) o dano ao mercado de transporte rodoviário decorrente de prática anticoncorrencial, isto tudo, fundada em metodologia para estimação de cada um dos tipos de dano; afirma-se que a mesma é errônea.

E equivocada é, pois a metodologia desenvolvida pelo MPF desconsidera diversos aspectos relevantes para a análise do caso em questão, dentre eles: (i) a condição das rodovias federais, (ii) a ausência de investimentos em infraestrutura rodoviária, (iii) a complexidade operacional do controle de peso por eixo (PPE) pelo embarcador e (iv) os inúmeros fatores de influência no sobrepeso.

Ademais, notam-se graves inconsistências teóricas e empíricas nos modelos utilizados para estimação dos danos, conforme estudos de ciência da Economia que refutam a referida metodologia, uma vez que (i) não é correto formular um cálculo assumindo que o pavimento que está sendo desgastado é novo; (ii) a vida útil das rodovias é de dez anos; daí que, (iii) o método utilizado para relacionar o excesso de peso com o desgaste do pavimento parece superestimar tal desgaste.

Assim sendo, e mesmo diante da brevidade do texto, espera-se que o STJ enfrente, ao julgar o Tema 1.104, cada uma dessas complexidades acima apontadas, que são de ordem técnica, econômica, metodológica, de investimentos públicos, racional (não passional) e legislativa, entregando, aos jurisdicionados, a devida prestação e segurança jurídica.

[1] Ver: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/20102021-Primeira-Secao-decidira-sobre-dano-moral-e-outras-medidas-judiciais-contra-excesso-de-peso-em-rodovias.aspx , acessado em novembro de 2023


[2] GORDILLO, Agustín. ‘Tratado de derecho administrativo.’ 3. ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 1998.


[3] PÉRA, T.G.; ROCHA, F.V.; BASTIANI, F.P.; SANTOS, R.M.; COSTA, E.V.; JOÃO, A.M.; CAIXETA-FILHO, J.V. Análise do Excesso de Peso Entre Eixos no Transporte Rodoviário de Cargas. Série Logística do Agronegócio – Oportunidades e Desafios, V.5, 2021, 39 p., Grupo ESALQ-LOG/USP, Piracicaba, Brasil.

Fonte: Jota

Galeria de Imagens
Outras Notícias
O contrato de vesting sob o prisma do Direito do Trabalho
STJ aplica Tema 1182 a casos sobre tributação de subvenções de ICMS
STJ: entidades não podem figurar no polo passivo de ações envolvendo contribuições
Carf: despesa com personagem em roupas pode ser deduzida do IRPJ e da CSLL
STJ define regras para instituições financeiras em caso de roubo ou furto de celulares
Carf permite que multas aplicadas após leniência sejam deduzidas do IRPJ e CSLL
Indisponibilidade de bens com a reforma da Lei de Improbidade Administrativa
Carf permite crédito de PIS/Cofins no armazenamento e distribuição de combustíveis
Carf mantém IRRF sobre remessas de juros ao exterior
Publicada Instrução Normativa que atualiza as normas gerais de tributação previdenciária
CARF decide sobre incidência de contribuição em caso de pejotização
Repetitivo vai definir se ISS compõe base de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados pelo lucro presumido
STF mantém entendimento sobre fim de eficácia de decisões definitivas em matéria tributária
Sem estar na ação, empresa do mesmo grupo econômico não pode pagar custas
Supremo mantém decisão sobre quebra da coisa julgada em matéria tributária
Receita Federal abre prazo de autorregularização para empresas que utilizaram indevidamente as subvenções para investimento
STJ veda crédito de PIS/Cofins sobre frete de veículos para revenda
Tributos restituídos integram base de cálculo de IRPJ e CSLL, decide STJ
Reforma tributária: quando o ITCMD poderá ser exigido sobre bens no exterior?
Receita lança nova fase do Litígio Zero a partir de 1º de abril
Trusts: finalmente a legislação brasileira tocou no nome deles