Aspectos práticos na avaliação das novas regras de preços de transferência

MP que adequa normas brasileiras às da OCDE foi analisada pela Câmara em março e aguarda análise do Senado

A Medida Provisória 1152, de 28 de dezembro de 2022, alterou a legislação brasileira de preços de transferência (Transfer Pricing ou TP) para alinhá-la aos padrões da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Conforme a redação atual – ainda sujeita à revisão e aprovação pelo Congresso Nacional –, as disposições da MP 1152 entrarão em vigor em 1º de janeiro de 2024. Entretanto, os contribuintes terão a opção irretratável de aplicar as mudanças previstas na legislação a partir de 1º de janeiro de 2023. 

Consequentemente, após muitos anos divergindo dos padrões internacionais, é contemplada pelo governo brasileiro uma mudança significativa nas regras de preços de transferência. O ponto principal de questionamento dos contribuintes brasileiros nesse momento é qual a melhor forma de se preparar para a adequação às novas regras estabelecidas pela MP 1152. 

A resposta a essa pergunta está na combinação do entendimento técnico e da aplicação prática da nova legislação. Em linhas gerais, recomenda-se que os contribuintes façam uma abordagem através das seguintes fases: 1) análise de viabilidade; 2) implementação; e 3) documentação. Esta abordagem permitirá que as empresas apliquem seus recursos de forma eficiente e oportuna a fim de obter o resultado desejado, observando todos os aspectos de compliance previstos na nova legislação.  

Fase 1 – Análise de viabilidade 

Esta fase visa coletar dados e informações que permitirão que a administração das empresas compreenda o impacto e implementem possíveis mudanças necessárias para o cumprimento do princípio do Arm’s Length – i.e., relação de independência e plena concorrência, mesmo quando a transação envolva partes relacionadas. Para tanto é necessário conhecimento e experiência significativos para focar nos fatores importantes da análise. 

A seguir, elencamos algumas etapas sugeridas: 

1. Revisão das transações praticadas entre partes relacionadas e as regras de preços de transferência atualmente adotadas; e 

2. Realização de uma análise acerca dos fatos e circunstâncias, incluindo as funções, o perfil de risco e os drivers de valor (“análise funcional”), como a propriedade dos ativos intangíveis de cada entidade participante da transação entre partes relacionadas. 

Esta análise funcional será utilizada como base para a seleção da metodologia aplicável, entidade testada e entidades comparáveis que, em última instância, determinarão o nível de lucratividade que o contribuinte brasileiro necessita obter para estar em conformidade com o princípio do Arm’s Length. 

As conclusões dessa análise permitirão ao contribuinte brasileiro quantificar os impactos financeiros decorrentes da aplicação das novas regras de preços de transferência, bem como estabelecer um plano de ação detalhado para sua implementação. 

Fase 2 – Implementação 

A principal diferença entre a novas regras de preços de transferência estabelecidas pela MP 1152 e aquelas previstas na norma atualmente vigente é que, ao contrário desta, que adota uma abordagem estereotipada e simples, com critérios e margens pré-estabelecidas e sem margem de interpretação, a MP 1152 determina que a aplicação do princípio do Arm’s Lenght se baseie em fatos e circunstâncias que envolvam a transação entre partes relacionadas. 

Portanto, os contribuintes brasileiros, buscando conformidade com as regras contidas na MP 1152, precisarão implementar, eventualmente, certas mudanças relacionadas às funções desempenhadas nas operações intercompany, aos riscos assumidos, aos ativos (principalmente intangíveis) detidos e aos termos e condições para serem consistentes com a nova política de preços de transferência. 

É altamente recomendável realizar tal estudo de adoção antecipada das novas regras antes que elas entrem em vigor, de modo a evitar que qualquer mudança posterior seja caracterizada como reestruturação de negócios sob a ótica da nova legislação, o que poderia acarretar a necessidade de ajustes fiscais. 

Fase 3 – Documentação 

Para cumprir com as novas regras, os contribuintes brasileiros precisarão implementar procedimentos sólidos para identificar, definir, controlar, medir e avaliar as decisões relacionadas aos preços de transferência, ao mesmo tempo em que as integram em seu sistema de governança e em seus procedimentos fiscais para fins de preços de transferência. 

Algumas das principais atividades que deverão fazer parte do referido sistema de preços de transferência são 1) estabelecimento de equipes multidisciplinares de preços de transferência; 2) estabelecimento de processos para elaborar políticas de preços de transferência e revisão de acordos entre partes relacionadas; 3) implementação de sistemas operacionais de preços de transferência; 4) elaboração da documentação de preços de transferência conforme exigido pela nova legislação (Master File, Local File, Declaração País-a-País e outras obrigações informativas); e 5) avaliação contínua de alternativas controversas. 

Práticas recomendadas 

Com base na minuta inicial da MP 1152, será fundamental a documentação dos fatos e circunstâncias envolvidos nas transações entre partes relacionadas (análise funcional), uma vez que qualquer omissão na documentação de preços de transferência permitirá que a autoridade fiscal caracterize os fatos e circunstâncias de acordo com seu entendimento, o que pode impactar os resultados e conclusões da análise. Além disso, recomenda-se que a análise funcional seja suportada com provas (e.g., notas de entrevistas, acordos, apresentações, e-mails etc.) coletadas, registradas e armazenadas de forma oportuna. 

A seleção de transações comparáveis com outras empresas poderá ser outro ponto de controvérsia. As melhores práticas nesta área geralmente recomendam o uso de um banco de dados robusto, de preferência com informações públicas suficientes sobre operações comparáveis locais, regionais e globais. Se após a análise a conclusão for de que não existem transações comparáveis locais, sugere-se estender a pesquisa a transações comparáveis regionais ou globais, com aplicação de eventuais ajustes de risco do país em questão. Também é recomendado documentar o processo de aceitação e rejeição dos comparáveis e ser consistente com os critérios de rejeição. Finalmente, se a análise de seleção  comparável for repetida por um terceiro, espera-se que a seleção de transações comparáveis seja a mesma. 

A fim de evitar a dupla tributação, será necessário um grande empenho na análise das novas regras de preços de transferência por parte dos contribuintes brasileiros, da matriz da empresa – no caso de grupos multinacionais estrangeiros –, das equipes de preços de transferência existentes e dos consultores externos. 

Mais adiante, será necessária também a composição de uma equipe multidisciplinar para lidar com o tema, incluindo profissionais de supply chain e consultorias operacionais, em contraposição às equipes atuais de preços de transferência, que se concentram apenas na conformidade fiscal e contábil local. 

Diante do todo exposto, é recomendado que os contribuintes brasileiros que possuam transações com partes relacionadas no exterior adotem uma abordagem proativa para analisar, de forma detalhada, as suas transações com partes relacionadas no exterior a fim de 1) avaliar se é mais eficiente optar pela aplicação antecipada das novas regras de TP a partir de 2023, ou 2) se é mais eficiente somente preparar-se para as mudanças que serão impostas pela MP de forma mandatória em 2024. 

Situação da tramitação da MP dos preços de transferência

A MP 1152 e suas 107 propostas de emendas foram analisadas no último dia 30 de março pela Câmara dos Deputados, que aprovou um Projeto de Lei de Conversão da MP, incluindo algumas de suas emendas. Na data de publicação deste artigo, a MP está pendente de apreciação pelo Senado. 

É importante ressaltar que o Congresso Nacional tem até 1º de junho de 2023 para apreciar e, eventualmente, aprovar a MP 1152, convertendo-a em lei. Se este período transcorrer sem sua aprovação, a Medida Provisória será revogada e perderá sua eficácia. Após aprovada pelo Congresso, a MP segue para sanção presidencial. 

ANTONIO MACIAS VALDES – Diretor sênior da Alvarez & Marsal Taxand, LLC em Miami. Tem mais de 24 anos de experiência na matéria de preços de transferência, atuando nos principais escritórios globais de consultoria e advocacia

EMERSON LOPES DE SANTANA – Managing Director na prática Tributária da Alvarez & Marsal. Especialista em M&A, liderando processos de  buy-side e sell-side due diligence e structuring, sobretudo com relação às áreas fiscal e trabalhista, atendendo tanto private equities quanto corporações.

RODRIGO KURAYAMA – Managing Director na prática Tributária da Alvarez & Marsal. Especialista em International Tax (M&A e compliance) e planejamento tributário. Com mais de 20 anos de experiência na área tributária, liderou diversos projetos de reorganização societária e de supply chain, investimentos inbound e outbound, tributação de operações com exterior, análise de tratados internacionais tributários e comerciais

ANDRÉ ANDRADE ROSA – Director do Tax & Labor Group da Alvarez & Marsal no Brasil. Tem mais de 12 anos de experiência em consultoria tributária em operações de M&A, atendendo a entidades locais e estrangeiras, incluindo grandes corporações e fundos de private equity, fundos soberanos e fundos de pensão

MATEO QUINTERO – Diretor da prática de Consultoria Tributária da Alvarez & Marsal. Possui mais de 10 anos de experiência na área tributária. Antes de ingressar na A&M, era responsável pela gestão do departamento de Planejamento Tributário da OEC

Fonte: Jota

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