Opinião: Tributação do ICMS e ISS na mineração de criptoativos

O mercado de criptoativos acompanha com atenção a tramitação do Projeto de Lei (PLP) nº 3.825/2019, recém aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e que pretende regulamentar a prestação de serviços relacionados a criptoativos no país.

O PLP define conceitos e diretrizes especialmente do ponto de vista regulatório e criminal, deixando em aberto o tratamento tributário dessas atividades, a exemplo da mineração de criptoativos.

Em linhas gerais, a mineração é o processo pelo qual as operações para geração de novos criptoativos (exemplo gratia bitcoin, etherium e outras) são validadas pelo minerador após a resolução de cálculos matemáticos e adicionadas ao blockchain (sistema descentralizado que armazena e registra as transações).

O minerador realiza o processo por meio de uma rede de computadores e recebe uma recompensa, que pode ser: 1) a apropriação da titularidade dos próprios criptoativos gerados; e/ou 2) uma taxa ou comissão equivalente a um percentual da transação que está sendo validada.

Esse modelo de negócio ainda é rodeado de incertezas, em especial diante da imprevisibilidade do custo total da atividade. Afinal, além de terem que arcar com elevados investimentos em estrutura computacional e alto consumo de energia elétrica, os investidores/empreendedores deverão conviver com a atual insegurança jurídica e tributária.

No âmbito federal, embora a legislação tributária ainda não preveja regras específicas para atividades ou investimentos envolvendo criptoativos, a Receita Federal já emitiu orientações para pessoas físicas residentes no País que investem nesses ativos. Em resumo, a orientação é tratá-los como “outros ativos financeiros” que, uma vez alienados, poderão ensejar imposto de renda sobre o ganho de capital, cujas alíquotas variam de 15% a 22,5%, observados os limites de isenção. Por meio da Instrução Normativa nº 1.888/2019, a Receita Federal classifica os criptoativos como um bem/direito para fins fiscais, em conformidade com as orientações da OCDE [1] e a posição de diversos países.

Refletimos aqui sobre o possível tratamento tributário da atividade, em especial quanto à possibilidade de tributação pelo ICMS ou pelo ISS. Em âmbito estadual e municipal, na maioria dos casos, ainda não foram fornecidas diretrizes específicas sobre atividades que envolvem criptoativos, inclusive a de mineração.

O principal desafio, sem dúvidas, passa pela definição da natureza jurídica do modelo de negócio e respectivas operações realizadas pelo contribuinte.

Tratando-se de ICMS, verifica-se que as criptomoedas sequer poderiam ser consideradas mercadorias, pois não são ativos vendidos para consumo, mas sim utilizados para fins de investimento financeiro ou como instrumento de troca para o comércio de outros bens e serviços.

Nesse sentido, a própria Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz/SP), por exemplo, na Resposta à Consulta Tributária nº 22.841/2020, afirmou que não incide ICMS na venda de criptoativos, cujo entendimento a nosso ver se aplica igualmente à atividade de mineração, pois não caracteriza operação de circulação de mercadorias, tal como definida pelo artigo 1º da Lei Complementar (LC) nº 87/96.

Referido entendimento também é consonante com o tratamento dado pela grande maioria dos Estados-Membros da União Européia, cujas atividades de mineração são tratadas atualmente como fora do campo de incidência do IVA — imposto equivalente ao ICMS desses países.

Em relação ao ISS, faz-se necessário retomar a diferenciação das duas modalidades de recompensa da atividade do minerador, introduzida acima. Isso porque, dadas as particularidades de cada modelo, o tratamento tributário pode ser distinto.

No caso da apropriação das próprias criptomoedas mineradas, não há a figura de um tomador de serviços. Afinal, o trabalho do minerador beneficia toda a comunidade ligada àquela rede, pela adição de novos ativos ao sistema, o que a afasta de uma típica contratação de obrigação de fazer.

Além disso, o criptoativo não é pré-existente, pois é criado pela atividade de mineração, sendo comparável a uma espécie de autocriação, tal como a elaboração de uma obra de arte. Portanto, nessa modalidade de mineração não haveria a incidência de ISS, uma vez que não é dotada das características fundamentais da prestação de serviços, tal como definido pelo artigo 1º da LC nº 116/03.

Na modalidade em que o minerador faz jus a espécie de remuneração paga por um usuário da rede para a validação/realização de determinada operação, a atividade pode se aproximar da prestação de serviços. Afinal, existe a figura do tomador de serviço, que remunera o minerador em contraprestação a uma obrigação de fazer específica. Nesse caso, há quem defenda que a atividade de mineração possa configurar uma prestação de serviços de processamento de dados (item 1.03 da lista de serviços anexa à LC nº 116/03) e que, portanto, já seria suficiente para a incidência do ISS. No entanto, diante de todas as suas particularidades, entendemos que seria necessária, ainda, que essa atividade esteja expressamente relacionada à lista de serviços anexa a LC nº 116/03, em item específico.

Enquanto isso não ocorre, entendemos que não deveria haver a incidência do ISS sobre a atividade de mineração. Inclusive pela existência de diversos modelos de negócio para as operações de mineração, que podem ter repercussões tributárias diferentes a depender da operação do contribuinte e da natureza jurídica atribuída a esses ativos. Por exemplo, a mineração própria em benefício próprio, um pool de mineradores em benefício próprio, a mineração para validação de operação em benefício de terceiros, a mineração envolvendo estruturas e mineradores no Brasil e no exterior, entre outros.

Por ser um tema ainda inédito na legislação tributária brasileira, a única certeza que temos hoje é de que essas controvérsias ainda terão de ser devidamente enfrentadas, o que exige desde já reflexão e debate para que seja alcançado o tratamento tributário mais adequado dessas atividades, sem que isso represente indesejável entrave no País a esse novo mercado digital.

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[1] OECD (2020), Taxing Virtual Currencies: An Overview of Tax Treatments and Emerging Tax Policy Issues, OECD, Paris. www.oecd.org/tax/tax-policy/taxing-virtual-currencies-an-overview-of-tax-treatments-and-emergingtax-policy issues.htm. Acessado em 25.03.2022.

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Por Artur Muxfeldt, Daniel Zugman e Frederico Bastos.

Fonte: CONJUR

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