Como solucionar o silêncio da administração pública no âmbito tributário

Este é um dos temas sobre o qual se debruçará comissão de juristas criada pelos presidentes do Senado e do STF

Por Andréa Mascito, Lucas Barbosa Oliveira e Ademir Trindade Filho

O silêncio da administração pública em processos, procedimentos e requerimentos administrativos é uma problemática perene para os contribuintes, o que justifica ser esse um dos temas sobre o qual se debruçará a comissão de juristas criada pelo Ato Conjunto nº 1/2022, dos presidentes do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF).

Embora haja prazos legais previstos em leis esparsas para pronunciamento conclusivo da administração pública[1], fato é que, na prática, esses prazos não vêm sendo observados, sem desencadear qualquer punição aos agentes e/ou ente público e fomentando um contencioso desnecessário por provocação dos administrados que precisam obter manifestação resolutiva (por exemplo, a um pedido de certidão de regularidade fiscal, de enquadramento e reconhecimento de benefício fiscal, de restituição, de conclusão de diligência, entre tantas outras situações).

Sem uma resposta da administração, não é encontrado outro caminho senão o Judiciário, já que, salvo raras exceções, o sistema tributário brasileiro não costuma atribuir efeitos ao silêncio, exceto em situações específicas como, por exemplo, a homologação tácita de compensações entre tributos, hipótese em que o decurso do prazo de cinco anos tem efeito automático de convalidar compensação promovida pelo contribuinte.

Diante desse cenário, a pergunta que surge é: qual seria a saída para o problema?

Entendemos que há duas principais formas que poderiam contribuir para mitigar esse problema. A primeira é a instituição do “silêncio positivo”[2] como regra, e a segunda, é a fixação (e respectivo cumprimento) de penalidades em caso de descumprimento. Trata-se de soluções distintas e que podem ser ou não combinadas. Há, ainda, um terceiro caminho, que seria uma compilação específica dos prazos aplicáveis às questões tributárias e/ou a cientificação à parte do prazo para análise do seu pedido, o que daria maior clareza e evitaria a confusão que se observa acerca de qual seria o prazo aplicável a cada situação.

Não é incomum vermos uma grande confusão, por exemplo, sobre qual o prazo aplicável para atendimento a solicitações simples do contribuinte, aplicando-se como regra geral o prazo de 360 dias, previsto no artigo 24 da Lei 11.457/2007.

Deve-se ter claro, porém, que esse prazo é aplicável para situações que demandem despacho com conteúdo decisório e processos em que está previsto o contraditório, e não para simples atendimento a solicitações, o que se adequa mesmo ao prazo trintenal dos artigos 48 e 49, da Lei 9.784/99. A transparência, clareza e segurança de lado a lado sobre os prazos aplicáveis são premissas para a solução deste problema.

Estando estabelecidas as premissas relevantes e identificados os problemas práticos, listamos aqui algumas sugestões objetivas que podem colaborar com o trabalho da comissão de juristas do Senado Federal, a saber:

1. alteração do inciso I, parágrafo 6º, do artigo 3°, da Lei 13.874/2019 (Lei da Liberdade Econômica), para excluir a vedação da aplicação do disposto no inciso IX do referido artigo a questões tributárias, de modo a se estabelecer clareza entre as partes sobre o prazo aplicável. Desse modo, será possível estender o silêncio positivo também ao âmbito tributário, com aprovação tácita da solicitação do administrado (como já ocorre com a compensação, conforme acima referenciado) em circunstâncias que se compatibilizem com presunções legais absolutas ou relativas ou, ainda, de autodeclaração (tal como um requerimento de benefício fiscal pautado em requisitos que o administrado entenda cumprir, o que estará sujeito a ulterior fiscalização), salvo exceções pontuais que estejam prescritas na lei tributária. Neste caso, a extensão do silêncio positivo poderia ser feita mediante complementação do art. 48 da Lei 9.784/99. Com isso, demonstra-se ser desnecessária a providência abaixo referenciada para as situações que já puderem ser resolvidas com os efeitos do silêncio positivo;

2. estabelecimento de previsão legal de consequências sancionadoras ao silêncio da administração pública nas exceções pontuais ao silêncio positivo acima referenciado, as quais estejam prescritas na lei tributária;

3. estabelecimento de mecanismo automático de silêncio translativo, que imporá a remessa ao superior hierárquico competente, que deverá suprir aquela determinada manifestação não cumprida na metade do prazo legal fixado, sob risco de nova penalização, adequando-se, assim, o artigo 49 da Lei 9.784/99;

4. nas situações em que verificada a inaplicabilidade do silêncio positivo e tampouco a possibilidade de penalização de agente a quem dirigido o pleito, pelo fato de esta depender de parecer obrigatório e vinculante de órgão consultivo distinto daquele ao qual foi dirigido o pleito ou a análise mais complexa, deve-se não só exigir fundamentação, como também especificar na própria lei qual o prazo adicional de extensão e, respectivamente, qual a punição, adequando-se, assim, o artigo 42 da Lei 9.784/99;

5. explicitar quais prazos legais regem cada circunstância.

Diante da problemática hoje identificada, das sugestões acima expostas, bem como das valiosas contribuições trazidas pelos professores convidados para a audiência pública realizada em 30 de março de 2022, entendemos não haver dúvida sobre a necessidade de reforma da legislação que regula o processo administrativo geral e tributário.

Não é imprescindível a edição de lei processual tributária específica, cabendo ajustes pontuais à legislação posta, sobretudo à Lei 9.784/99 e outras leis esparsas aqui referenciadas, muito embora nos pareça que a compilação de todos os prazos que regem o processo e os procedimentos no âmbito tributário tanto administrativo como judicial facilitariam, e muito, a tão perquirida clareza e o cumprimento de todas essas regras.

________________________________________

[1] Por exemplo: artigos 48 e 49, da Lei 9.784/1999 e artigo 24 da Lei 11.457/2007.

[2] Referencia-se aqui as pertinentes lições do Professor Paulo Modesto, um dos ouvidos na audiência pública de 30/03/2022 no Senado Federal: https://www.conjur.com.br/2022-jan-27/interesse-publico-silencio-administrativo-tecnica-experimentacao#:~:text=Sil%C3%AAncio%20translativo%20%C3%A9%20a%20sub,raz%C3%A3o%20de%20inatividade%20formal%20

Fonte: JOTA PRO

Galeria de Imagens
Outras Notícias
O contrato de vesting sob o prisma do Direito do Trabalho
STJ aplica Tema 1182 a casos sobre tributação de subvenções de ICMS
STJ: entidades não podem figurar no polo passivo de ações envolvendo contribuições
Carf: despesa com personagem em roupas pode ser deduzida do IRPJ e da CSLL
STJ define regras para instituições financeiras em caso de roubo ou furto de celulares
Carf permite que multas aplicadas após leniência sejam deduzidas do IRPJ e CSLL
Indisponibilidade de bens com a reforma da Lei de Improbidade Administrativa
Carf permite crédito de PIS/Cofins no armazenamento e distribuição de combustíveis
Carf mantém IRRF sobre remessas de juros ao exterior
Publicada Instrução Normativa que atualiza as normas gerais de tributação previdenciária
CARF decide sobre incidência de contribuição em caso de pejotização
Repetitivo vai definir se ISS compõe base de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados pelo lucro presumido
STF mantém entendimento sobre fim de eficácia de decisões definitivas em matéria tributária
Sem estar na ação, empresa do mesmo grupo econômico não pode pagar custas
Supremo mantém decisão sobre quebra da coisa julgada em matéria tributária
Receita Federal abre prazo de autorregularização para empresas que utilizaram indevidamente as subvenções para investimento
STJ veda crédito de PIS/Cofins sobre frete de veículos para revenda
Tributos restituídos integram base de cálculo de IRPJ e CSLL, decide STJ
Reforma tributária: quando o ITCMD poderá ser exigido sobre bens no exterior?
Receita lança nova fase do Litígio Zero a partir de 1º de abril
Trusts: finalmente a legislação brasileira tocou no nome deles