ISS sobre a cessão de direito de uso de marca

STF examinará a cobrança do ISS sobre a cessão de direito de uso de marca

Por Luiz Roberto Peroba, André Torres dos Santos e Nayanni Enelly Vieira Jorge

De acordo com os recentes dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça [1], as ações judiciais ajuizadas para discutir a exigibilidade do Imposto sobre Serviços representam 3,36% das discussões contenciosas tributárias atuais. Se, por um lado, IPTU, ICMS, PIS e Cofins parecem alavancar o volume de processos judiciais tributários nos tribunais estaduais e regionais federais, por outro, as teses que envolvem o ISS têm protagonizado grandes discussões no Supremo Tribunal Federal.

Nos últimos dois anos, provocado a examinar os limites da incidência do ISS, o Plenário do STF definiu tanto questões relacionadas à extensão da taxatividade da lista anexa à Lei Complementar n.º 116/2003 [2] quanto discussões referentes aos conflitos de competência tributária entre estados e municípios, a exemplo dos leading cases que declararam a constitucionalidade da incidência do ISS sobre contratos de licenciamento de software [3] e também a constitucionalidade da incidência do ISS sobre a inserção de publicidade online [4].

Recentemente, nos autos do RE 1.348.288, o Plenário da Suprema Corte alcançou quórum suficiente para reconhecer a existência de uma nova questão constitucional, referente à incidência do ISS sobre a cessão de direito de uso de marca. A matéria foi alçada ao Tema nº 1.210 da Repercussão Geral.

Mais uma vez, os ministros do STF serão desafiados a examinar os limites da hipótese material de incidência do ISS e o conceito constitucionalmente definido de serviço tributável, o qual é entendido como o serviço impulsionado por uma conduta humana apta a adimplir uma obrigação de fazer [5].

É certo que a mera aferição de obrigação de fazer não encerra, por si só, as polêmicas em torno da incidência do ISS. Há, ainda, dois requisitos vinculados à possibilidade de cobrança de tributo, quais sejam, a necessidade de previsão específica do serviço em lei complementar e, ainda, a obrigatoriedade de que o serviço prestado não identifique serviço de comunicação, situação na qual, inexoravelmente, a tributação ocorrerá por meio do ICMS.

Não obstante, fato é que a tributação pelo ISS pressupõe, necessariamente, a prestação de um serviço consubstanciada em uma obrigação de fazer, pura ou mista. A vinculação da incidência do imposto municipal à elaboração, execução ou confecção de algo é refletida na própria jurisprudência do STF, que se preocupou em editar a Súmula Vinculante nº 31 para definir que é inconstitucional “a incidência do imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS) sobre operações de locação de bens móveis”.

Não há dúvidas, portanto, de que a caracterização da prestação de serviço para fins de tributação pelo ISS foi o argumento central que liderou diversas controvérsias no STF. Porém, a discussão acerca da incidência do imposto municipal sobre a cessão de uso de marca é matéria inédita e, até hoje, nunca teve o mérito examinado pela Suprema Corte.

Isso, porque todos os precedentes suscitados para embasar a suposta orientação jurisprudencial da Corte sobre a matéria buscam fundamento de validade na Reclamação Constitucional nº 8.623/RJ [6], julgamento no qual a 2ª do STF afastou a apontada identidade entre a locação de bens móveis, de um lado, e a cessão de uso de marca, de outro. Na ocasião, a análise da discussão se restringiu à eventual correlação entre os institutos, inexistindo qualquer exame referente à natureza da cessão de uso de marca, tampouco sobre a constitucionalidade do ISS sobre esses contratos específicos.

Por essa razão, não tendo a Reclamação nº 8.623/RJ examinado a matéria agora alçada ao Tema nº 1.210 da Repercussão Geral, tampouco assim fizeram os precedentes posteriores a esse julgamento, que apenas se limitaram a citar a decisão da Segunda Turma do STF reciprocamente.

Por outro lado, a aplicação da Súmula Vinculante nº 31 e a equiparação da cessão de uso de marca à locação de bens móveis não esgotam a controvérsia agora levada à apreciação do STF. Nos autos do RE 1.348.288, o Plenário deverá examinar a natureza da cessão do uso de marca enquanto obrigação em si, cujo escopo contratual apenas autoriza o uso de marcas e imagens específicas, ou seja, cedendo o acesso e a utilização de conteúdo específico.

Nesse contexto, ao identificar autorização onerosa e temporária de determinada coisa, a cessão de direito de uso de marca revela natureza de obrigação de dar, motivo que reclama o afastamento do ISS sobre esses contratos e, ainda, a declaração de inconstitucionalidade do item 3.02 da lista anexa à LC nº 116/2003 [7].

Com a afetação da matéria à repercussão geral, as empresas e entidades interessadas têm oportunidade de atuar no leading case na condição de terceiros interessados ou amici curiae, contribuindo ativamente na construção da discussão jurídica e na consolidação de mais uma importante tese a ser fixada pelo STF.

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[1] Disponível aqui. Acesso em 1/4/2022.

[2] RE 784.439, julgado em 29/6/2020; DJe 15/9/2020. Tese fixada: “É taxativa a lista de serviços sujeitos ao ISS a que se refere o artigo 156, III, da Constituição Federal, admitindo-se, contudo, a incidência do tributo sobre as atividades inerentes aos serviços elencados em lei em razão da interpretação extensiva”.

[3] RE 688.223, ADI 1945 e ADI 5659, julgados em 6/12.]/2021; DJe 3/3/2022. Tese fixada: “É constitucional a incidência do ISS no licenciamento ou na cessão de direito de uso de programas de computação desenvolvidos para clientes de forma personalizada, nos termos do subitem 1.05 da lista anexa à LC nº 116/03”.

[4] ADI 6034, julgada em 9/3/2022; DJe 21/3/2022. Tese fixada: “É constitucional o subitem 17.25 da lista anexa à LC nº 116/03, incluído pela LC nº 157/16, no que propicia a incidência do ISS, afastando a do ICMS, sobre a prestação de serviço de inserção de textos, desenhos e outros materiais de propaganda e publicidade em qualquer meio (exceto em livros, jornais, periódicos e nas modalidades de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita)”.

[5] BARRETO, Aires F. Curso de direito tributário municipal. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 317.

[6] Agravo regimental em reclamação. 2. Paradigma proferido pela 2ª Turma em processo subjetivo. 3. Inexistência de estrita adequação entre o acórdão-paradigma e o ato reclamado. Precedentes. 4. ISS. Incidência sobre contratos de cessão de direito de uso da marca. Possibilidade. Lei Complementar 116/2003. Item 3.02 do Anexo. 5. Agravo regimental ao qual se nega provimento.

(Rcl 8623 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, 2ª Turma, julgado em 22/2/2011, DJe-045 DIVULG 9/3/2011 PUBLIC 10/3/2011 EMENT VOL-02478-01 PP-00001 RDDT nº 190, 2011, p. 175-177 RSJADV maio, 2011, p. 49-51).

[7] LC nº 116/2003 – item 3.02 – Cessão de direito de uso de marcas e de sinais de propaganda.

Fonte: ConJur 


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