Opinião: A legitimidade da matriz para representação processual de filiais em causas tributárias

Há muito se discute a legitimidade da sede de contribuintes para representar suas filiais em juízo em processos de natureza tributária, especialmente porque alguns tributos são apurados e pagos de forma descentralizada em cada estabelecimento, como ocorre, por exemplo, como o IPI e o ICMS.

Em abril de 2014, por exemplo, a 1ª Turma do STJ estabeleceu, no julgamento do Recurso Especial n.º 1.100.690/RJ, sob relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia, que “a matriz não tem legitimidade para representar processualmente as filiais, nos casos em que o fato gerador do tributo se opera de maneira individualizada em cada estabelecimento comercial/industrial, haja vista que, para fins fiscais, matriz e filial são considerados entes autônomos”.

O caso tratava de ação ajuizada para repetição de indébito de ICMS e o contribuinte teve seu direito negado em razão de ter incluído no polo ativo da demanda apenas seu estabelecimento matriz, quando o direito creditório perseguido decorria de recolhimentos realizados exclusivamente por suas filiais.

O entendimento, inclusive, replica orientação histórica do STJ, que já em 2005 possuía precedente no sentido de que “em se tratando de tributo cujo fato gerador operou-se de forma individualizada, tanto na matriz, quanto nas filiais, não se outorga àquela legitimidade para demandar, isoladamente, em juízo, em nome destas”.

No entanto, sem muito alarde, o posicionamento até então sedimentado na corte superior foi substancialmente alterado no começo do ano de 2021, especialmente a partir do julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 731.625/RJ, oportunidade em que se entendeu que a contribuição para o SAT (que varia de acordo com o grau de risco de cada estabelecimento e, portanto, é recolhida de forma individualizada) devida por cada filial poderia ser questionada judicialmente pela matriz.

Na oportunidade, o relator, ministro Napoleão Nunes Maia, ficou vencido por ter adotado o entendimento até então predominante no STJ no sentido de que as filiais deveriam pleitear direito em nome próprio quando se trata de tributo apurado de forma individualizada.

Prevaleceu, todavia, o racional de que “o fato de as filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, não abarcando a autonomia jurídica, já que existe a relação de dependência entre o CNPJ das filiais e o da matriz”.

Deve-se destacar que, como o precedente em questão tratava de contribuição previdenciária e grande parte dos julgados que desautorizava a matriz de ingressar em juízo na qualidade de representante processual de suas filiais versava sobre ações envolvendo o ICMS, ainda há incerteza se o STJ também alterará seu entendimento neste cenário.

É que, como mencionado, o posicionamento até então dominante adotava como pressuposto que, em se tratando de tributação de operações com mercadorias, o fato gerador do tributo se opera de maneira individualizada em cada estabelecimento comercial/industrial.

A tendência, no entanto, é que o entendimento também seja aplicado com relação a impostos que possuem como fato gerador a circulação de mercadorias, mesmo sendo tais atos praticados individualmente por cada estabelecimento comercial/industrial, especialmente porque no voto condutor proferido no julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 731.625/RJ o ministro Gurgel de Faria citou textualmente tais tributos ao mencionar que “o fato das filiais possuírem CNPJ próprio confere a elas somente autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios, a fim de facilitar a atuação da administração fazendária no controle de determinados tributos, como ocorre com o ICMS e IPI”.

Ainda de acordo com o ministro Gurgel de Faria, as filiais são estabelecimentos sem autonomia e personalidade jurídica e desprovidas de qualquer patrimônio próprio, de modo que não podem postular de forma independente em juízo.

Diante disso, como o patrimônio de um contribuinte pertence à pessoa jurídica como um todo, concluiu o ministro que estaria a matriz autorizada até mesmo a pleitear compensação tributária relativa a indébitos de suas filiais, já que tais créditos pertencem à sociedade.

Por fim, faz-se importante destacar que tal precedente não autoriza que autoridades fazendárias concentrem no estabelecimento matriz a fiscalização de atos praticados por suas filiais, uma vez que o voto vencedor proferido no julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 731.625/RJ foi assertivo no sentido de que as filiais continuam dotadas de “autonomia administrativa e operacional para fins fiscalizatórios”.

Portanto, ao se debruçar sobre atos praticados individualmente por filiais, ainda deverá a fiscalização investigar especificamente cada um desses estabelecimentos, não sendo a matriz responsável por responder por qualquer fato gerador por eles praticados.

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Por João Pedro Quintanilha Rezende, associado da área tributária de Trench Rossi Watanabe.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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