Opinião: Tributação da permuta entre criptoativos é ilegal

Por Guilherme Peloso Araújo e Rodrigo Caldas de Carvalho Borges


Em 20 de dezembro de 2021, foi publicada a Solução de Consulta Cosit nº 214, por meio da qual a Receita Federal do Brasil manifestou entendimento pela incidência do Imposto de Renda sobre o ganho de capital em operações de permuta entre criptoativos que ultrapassem o limite mensal de R$ 35 mil. Por força da Instrução Normativa nº 2.058/2021, esse entendimento tem força vinculante no âmbito de atuação da RFB.

Como principal fundamento da conclusão pelo dever de recolhimento do imposto sobre o ganho de capital, a Solução de Consulta menciona o artigo 3º da Lei nº 7.713/1998, que estabelece que o ganho de capital deverá ser apurado em operações que importem alienação de bens e direitos, entre as quais se inclui a permuta. Incidentemente, é mencionada a determinação genérica de tributação pelo imposto sobre a renda de quaisquer acréscimos patrimoniais.

Por meio dessa manifestação, a RFB se posicionou sobre umas das mais importantes controvérsias relacionadas às operações com criptoativos: se a tributação sobre o ganho de capital deve ocorrer somente com a conversão de criptoativos para moeda fiduciária ou se a simples troca entre diferentes criptoativos ensejaria a tributação pelo ganho de capital.

O efeito dessa solução de consulta é que milhares pessoas físicas que realizaram esse tipo de operação e que não tenham apurado e recolhido o imposto estão sujeitos à autuação para a exigência de tributo, em caso de fiscalização pela RFB.

Os valores são relevantes. Estima-se que o brasileiro detenha, aproximadamente, R$ 300 bilhões em criptoativos, mercado maior, por exemplo, do que o de fundos imobiliários, estimado em aproximadamente R$ 200 bilhões.

A importância financeira do mercado não condiz com a omissão com a qual a Receita Federal do Brasil tem tratado o assunto nos últimos anos, sem que se manifestasse sobre nenhuma das questões materiais de tributação no âmbito de criptoativos. Agora provocada pelo contribuinte, torna pública uma ilegal (e desastrosa) solução de consulta, que terá o efeito de causar grave insegurança e, mais uma vez, submeter o contribuinte à necessidade de ajuizamento de medidas judiciais.

A tributação das operações de permuta entre criptoativos fere os conceitos de renda e de rendimentos, já que a sua existência demanda o acréscimo patrimonial. É inerente, sobre a troca, que ela seja realizada entre bens ou direitos de igual valor, o que, por si, não gera acréscimo patrimonial entre as partes permutantes. Sem o acréscimo patrimonial, por sua vez, é impossível que se sustente a existência de renda, rendimento ou provento de qualquer natureza.

Vale, sobre esse ponto, mencionar a análoga discussão sobre o conceito de receita para empresas imobiliárias que recebam imóveis em dação em pagamento ou em permuta por outros imóveis. Para esses casos, tanto o Carf quanto o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento pela neutralidade financeira e patrimonial da operação de permuta, o que impede a incidência do imposto sobre a renda.

O equívoco na posição da RFB, contudo, não se manifesta somente no campo do abstrato conceito de renda, rendimentos, proventos ou acréscimo patrimonial.

Na operação de permuta — que não gera mutação patrimonial —, o bem/direito deverá ser recebido pelo mesmo custo de aquisição do bem/direito entregue. Em outras palavras, a neutralidade financeira e tributária da permuta é determinada pela não alteração do custo (do patrimônio) na ficha de bens e direito da declaração de Imposto de Renda da Pessoa Física.

É o que a própria legislação determina ao estabelecer que, em operação de permuta, o custo de aquisição do novo bem/direito deverá corresponder ao exato custo de aquisição do bem/direito cedido (artigo 136, §5º, Decreto nº 9.580/2018). Além disso, também se determina que somente o montante da torna será considerado valor de alienação (artigo 134, §3º, Decreto nº 9.580/2018) para efeitos de cálculo do ganho de capital. Essas disposições se aplicam a qualquer permuta.

O próprio regulamento do Imposto de Renda, portanto, estabelece que em permutas sem torna — como é o caso das operações entre criptoativos — o tratamento tributário deverá ser neutro, impondo ao contribuinte a atribuição de mesmo valor ao bem/direito recebido do bem/direito cedido. Se, então, os valores são os mesmos, inexiste base para apuração de ganho de capital.

Não menosprezamos a dificuldade de se encaixar as relações estabelecidas por meio de criptoativos nas classes jurídicas tradicionais, mas o posicionamento da RFB, nesse caso, não parece ter sido o mais correto. As próprias características das operações de permuta com criptoativos dão conta disso.

Isso porque, para arbitrar entre criptoativos a pessoa física poderá manter conta em exchange situada em qualquer lugar do mundo, sendo que muitas delas sequer aceitam depósitos em moedas fiduciárias. Além disso, grande parte dessas permutas são realizadas entre criptoativos que não possuem cotação em moeda fiduciária, mas apenas em outros criptoativos; cotações essas que variam entre diferentes exchanges. Como, em um contexto desses, aferir em reais os custos de aquisição e valor de alienação, que gerariam o ganho de capital?

A resposta deve ser no sentido de que, promovida a aquisição de criptoativos com moeda fiduciária, aquele será o custo de aquisição do bem/direito. Haverá incidência do imposto sobre o ganho de capital somente se e quando a posição de criptoativos do contribuinte for “vendida” por moeda fiduciária. Inclusive, há disposições que regulamentam o cálculo do ganho de capital que são aplicáveis para liquidações parciais da posição do contribuinte.

Sendo essa a natureza da tributação pelo imposto sobre a renda, as pessoas físicas que se encontrem em situação de exposição à luz da ilegal Solução de Consulta Cosit nº 214/2021 devem avaliar medidas para evitar dissabores junto à Receita Federal do Brasil.

Fonte: Tributario.com.br

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