Tributação pelo regime do lucro presumido e a industrialização por encomenda

Esse regime de tributação do imposto de renda aparentemente é muito simples.

Seus contribuintes apuram o imposto de renda tendo como base de cálculo o valor correspondente a 8% da receita bruta em se tratando de atividades comerciais e industriais, conforme prescrição do caput do art. 15 da Lei nº 9.249/95. Em se tratando de atividade de prestação de serviços a base de cálculo do imposto passa a ser de 32% da receita bruta, segundo a prescrição da letra a, do inciso III, do § 1º, do art. 15 da Lei nº 9.245/95.

A diferença de tratamento é brutal. O legislador tem uma tendência de exacerbar a tributação de serviços, porque é o setor que mais vem crescendo nas últimas décadas.

A base de cálculo da CSLL, que tem o mesmo fato gerador do imposto de renda, tem como base de cálculo 12% da receita bruta.

A apuração do imposto nesse regime tributário é bem simplificada, dispensando-se as providências burocráticas da escrituração contábil fiscal de receitas e despesas, como ocorre no regime de tributação pelo lucro real.

Entretanto, reina uma grande dúvida que se resume na resposta a ser dada à seguinte pergunta:

Para efeito de IR e de CSLL basta que a empresa opere em qualquer ramo de prestação de serviço, ou é preciso que ela opere no ramo de prestação de serviço sujeito ao ISS?

Ao longo do exercício da advocacia temos deparado com inúmeros autos de infração, exigindo a apuração do imposto tendo como base de cálculo 32% da receita bruta sempre que o contribuinte praticar atividade de prestação de serviço genérico, não tributado pelo ISS, isto é, não previsto na lista nacional de serviços tributáveis.

Na vigência do Decreto-lei nº 406/68 havia regras expressas nos §§ 1º e 2º, do art. 8º para dirimir conflitos de competência entre o ICMS e o ISS:

1. prestação de serviços especificados na lista com fornecimento de mercadorias fica sujeita apenas ao ISS;

2. fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não especificados na lista fica sujeito apenas ao ICMS.

A vigente Lei Complementar nº 116/2003 não reproduziu as regras do Decreto-lei nº 406/68. Todavia, aquelas regras do art. 8º do Decreto-lei nº 406/68 foram recepcionadas pela Constituição Federal em seu art. 155, § 2°, IX, b:

[…]

 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[…]

XI – Incidirá também:

[…]

b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.

A Constituição Federal, com lapidar clareza, afasta a tributação pelo ISS quando a mercadoria for fornecida com prestação de serviço não especificado na lista de serviços. Não há, na realidade, o conflito de competência impositiva entre o ICMS e o ISS.

Porém, para o efeito de tributação do IR e da CSLL de pessoas jurídicas pelo lucro presumido, o fisco federal tende a fazer uma construção teórica para exacerbar a base de cálculo desses tributos.

O exame sistemático de textos constitucionais apontará a impossibilidade jurídica de coexistência de imposto  estadual e imposto municipal.

A Constituição discrimina os impostos privativos da União (art. 153), os impostos privativos dos Estados (art. 155) e aqueles cabentes privativamente aos Municípios (art. 156). Cada entidade política fica autorizada a instituir os impostos que lhe foram deferidos pelo Texto Magno, e fica proibida de invadir a esfera de competência de outro ente político. É o aspecto positivo e negativo do princípio discriminador de rendas tributárias. A bitributação excepcional que existia em relação às operações com combustíveis líquidos e gasosos com exceção do óleo diesel, então tributadas tanto pelo ICMS, como pela IVV não mais subsiste após o advento da EC nº  3/93 que extinguiu o IVV.

Se o serviço atípico já é tributado pelo ICMS juntamente com a mercadoria fornecida, integrando a base de cálculo do imposto estadual, não se vê como é possível considerar aquela prestação de serviço inespecífico como sendo uma atividade autônoma a caracterizar, para fins de tributação pelo IRPJ e pela CSLL, uma empresa prestadora de serviços. O valor da mão-de-obra, no caso, por expressa disposição constitucional e legal, é tributado privativamente pelo Estado-membro, caracterizando-se como um imposto de natureza estadual.

A legislação federal que tributa as empresas prestadoras de serviços com base de cálculo mais onerosa do que as empresas comerciais e industriais, há de ser interpretada em harmonia com o sistema constitucional tributário e com as normas gerais de direito tributário, respeitando-se a conceituação do que sejam serviços tributáveis previstos na LC n° 116/2003. Falece à legislação ordinária federal definir o que é empresa prestadora de serviço, tarefa cabente ao legislador complementar, para aplicação uniforme no âmbito nacional.

A situação aqui retratada costuma acontecer nas operações referentes à industrialização por encomenda que o antigo ADI nº 20 dispunha no sentido de que as operações de industrialização por encomenda serão consideradas prestação de serviço quando na composição do custo total dos insumos de produto industrializado por encomenda houver a preponderância dos custos dos insumos fornecidos pelo encomendante.

Esse ADI foi condenado pela jurisprudência por implicar inovação no critério de identificação das atividades econômicas, e veio a ser revogado pelo ADI n° 26 de 25-4-2008 da RFB, nos seguintes termos:

Art. 1º Para fins de apuração das bases de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), consideram-se industrialização as operações definidas no art. 4º do Decreto nº 4.544, de 26 de dezembro de 2002, observadas as disposições do art. 5º c/c o art. 7º do referido decreto.

Art. 2º Fica revogado o ADI RFB nº 20, de 13 de dezembro de 2007.

O art. 4° do Decreto 4.544/2002 assim prescreve:

Art. 4º Caracteriza industrialização qualquer operação que modifique a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tal como (Lei nº 4.502, de 1964, art. 3º, parágrafo único, e Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, art. 46, parágrafo único):

I – a que, exercida sobre matérias-primas ou produtos intermediários, importe na obtenção de espécie nova (transformação);

II – a que importe em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto (beneficiamento);

III – a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de que resulte um novo produto ou unidade autônoma, ainda que sob a mesma classificação fiscal (montagem);

IV – a que importe em alterar a apresentação do produto, pela colocação da embalagem, ainda que em substituição da original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas ao transporte da mercadoria (acondicionamento ou reacondicionamento); ou

V – a que, exercida sobre produto usado ou parte remanescente de produto deteriorado ou inutilizado, renove ou restaure o produto para utilização (renovação ou recondicionamento).

Parágrafo único. São irrelevantes, para caracterizar a operação como industrialização, o processo utilizado para obtenção do produto e a localização e condições das instalações ou equipamentos empregados.

O conceito dado por esse art. 4º, transposto para o Regulamento do IPI, harmoniza-se com a definição de produto industrializado previsto no parágrafo único do art. 46 do CTN:

Parágrafo único. Para os efeitos deste imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o aperfeiçoe para o consumo.

Pois bem, tivemos a oportunidade de enfrentar as investidas do fisco federal enquadrando as lavanderias industriais como empresas prestadoras de serviços para o fim de tributar o imposto de renda adotando-se a base de cálculo de 32% da receita bruta, ao invés de 8%.

As lavanderias industriais recebem roupas semiconfeccionadas para promover lavagem, colocação de botões e acondicionamento em embalagens para devolução ao encomendante, mediante cobrança de preço pela mão de obra. Implica ato de modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer forma, alterar o funcionamento, a utilização, o acabamento ou a aparência do produto.

Essa atividade de tinturaria e lavagem industrial  nada tem a ver com os serviços previstos no item 14.10 da lista de serviços que consiste na remoção de manchas em roupas ou panos, mediante utilização de processos químicos ou físicos seguida de lavagem para entrega ao usuário final após a execução da tarefa. Nada tem a ver com tinturaria e lavagem industrial por encomenda de fabricantes de roupas. Também não se confunde com o serviço previsto no item 14.09 concernente a alfaiataria e costura, porque o material não é fornecido pelo usuário final, porém, pelo fabricante de roupas, um atacadista.

Concluindo, importante não perder de vista que apenas e tão somente a prestação de serviço especificado na lista (e não qualquer serviço) tem o condão de afastar a incidência do ICMS quando acompanhado do fornecimento de mercadorias. O valor do serviço não contemplado na lei de regência nacional do ISS integra a base de cálculo do ICMS, porque serviço não especificado é insuscetível de tributação pelo ISS, por não se caracterizar como prestação de serviço. Nessa hipótese não há como enuadrar a empresa como sendo prestadora de serviços. 

Por Kiyoshi Harada

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