Advogados se dividem sobre ampliação de "geo-fencing" em investigações

Por Danilo Vital

O uso da tecnologia e da geolocalização para obtenção de dados de pessoas indeterminadas com o objetivo de, entre elas, identificar potenciais suspeitos de um crime é estratégia de investigação que divide opiniões entre advogados criminalistas consultados pela ConJur.

A prática, conhecida como geo-fencing, é amplamente aceita no Judiciário. Ela permite saber, por exemplo, quem esteve no local de um crime durante um determinado horário, a partir dos dados de celulares conectados à internet.

As investigações do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, têm feito o Judiciário ampliar a tolerância com o uso dessa estratégia.

Na última semana, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça admitiu ordem que obriga o Google a entregar ao Ministério Público dados de todas as pessoas que transitaram em três áreas do Rio de Janeiro em período de dois anos, entre 1º de janeiro de 2017 e 5 de fevereiro de 2019.

Esses dados incluem identificação de contas de usuários e dados cadastrais, registros de conexão, mídias (fotos, vídeos e outras), histórico de pesquisa e de navegação, favoritos, histórico de localização, e-mails, agenda, agenda de contatos, aplicativos instalados e backups contidos nos serviços de "driver".

Para o criminalista Diego Henrique, sócio do Damiani Sociedade de Advogados, a medida autorizada pelo STJ significa "a permissão absurda de que o Estado lance suas redes sobre um mar de informações pessoais, sem se saber ao certo o que será pescado", violando a intimidade e a privacidade de cidadãos que nada têm a ver com a investigação criminal.

"É justamente nesses casos que as barreiras da democracia são paulatinamente degradadas, sempre sob a velha ladainha de que a gravidade abstrata do delito permite a flexibilização de direitos e garantias individuais fundamentais que constituem a própria razão fundante do Estado Democrático de Direito. Dessa forma, fomentam a instituição de um modelo de Estado totalitário", disse.

Nathália Rocha, advogada especializada em Direito Penal Empresarial e sócia do escritório Peresi Rocha Advogados, também critica a amplitude conferida pelo Judiciário. Ela explica que o sopesamento de direitos absolutos é comum e necessário na sociedade, mas que se deve prezar pela proporcionalidade, para não haver risco de arbitrariedades.

"Seria proporcional a obtenção de dados privados, em flagrante violação de direitos fundamentais, de inúmeras pessoas sobre as quais não há qualquer suspeita da prática de crime, para identificar, dentre elas, suspeitos? Penso que não", concluiu.

O advogado criminalista Daniel Bialski, mestre em Processo Penal pela PUC-SP e sócio de Bialski Advogados, tem opinião totalmente diversa. 'Esse tipo de entendimento não somente deveria ser aplicado ao caso, mas em todos os casos criminais. Porque além de identificar possíveis suspeitos, pode-se também isentar possíveis inocentes de acusações indevidas ou até abusivas que são feitas. Então, utilizar a tecnologia para apurar a verdade é o ideal da Justiça e todos devemos aplaudir quando esse trabalho é feito com excelência", afirma.

Em artigo publicado pela ConJur, Daniel Soares de Andrade, pesquisador e assistente de magistrado no Tribunal de Justiça do Paraná, também defendeu a a legalidade e constitucionalidade da medida, nos moldes da decisão do STJ.

"Entendeu o STJ que a finalidade precípua da lei é justamente possibilitar a identificação dos autores do crime, devendo existir um filtro investigativo para que os dados de usuários que não importem para a investigação sejam descartados. Em outras palavras, os dados de pessoas inocentes ainda estarão sob sigilo e não deverão ser divulgados a terceiros, em qualquer hipótese", apontou.  

No STJ, a 3ª Seção já analisou recursos do Google contra ordens judiciais de entrega de dados por geo-fencing e deu razão ao Ministério Público. Não há unanimidade. O ministro Sebastião Reis Júnior segue como crítico contumaz da prática, voto vencido tanto naquele julgamento como no caso enfrentado recentemente pela 6ª Turma, a qual também integra.

O Supremo Tribunal Federal ainda vai julgar o tema em repercussão geral exatamente em recurso do Google referente ao caso Marielle. A relatora do RE 1.301.250 é a ministra Rosa Weber.

RMS 64.941

Fonte: Conjur

Galeria de Imagens
Outras Notícias
O contrato de vesting sob o prisma do Direito do Trabalho
STJ aplica Tema 1182 a casos sobre tributação de subvenções de ICMS
STJ: entidades não podem figurar no polo passivo de ações envolvendo contribuições
Carf: despesa com personagem em roupas pode ser deduzida do IRPJ e da CSLL
STJ define regras para instituições financeiras em caso de roubo ou furto de celulares
Carf permite que multas aplicadas após leniência sejam deduzidas do IRPJ e CSLL
Indisponibilidade de bens com a reforma da Lei de Improbidade Administrativa
Carf permite crédito de PIS/Cofins no armazenamento e distribuição de combustíveis
Carf mantém IRRF sobre remessas de juros ao exterior
Publicada Instrução Normativa que atualiza as normas gerais de tributação previdenciária
CARF decide sobre incidência de contribuição em caso de pejotização
Repetitivo vai definir se ISS compõe base de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados pelo lucro presumido
STF mantém entendimento sobre fim de eficácia de decisões definitivas em matéria tributária
Sem estar na ação, empresa do mesmo grupo econômico não pode pagar custas
Supremo mantém decisão sobre quebra da coisa julgada em matéria tributária
Receita Federal abre prazo de autorregularização para empresas que utilizaram indevidamente as subvenções para investimento
STJ veda crédito de PIS/Cofins sobre frete de veículos para revenda
Tributos restituídos integram base de cálculo de IRPJ e CSLL, decide STJ
Reforma tributária: quando o ITCMD poderá ser exigido sobre bens no exterior?
Receita lança nova fase do Litígio Zero a partir de 1º de abril
Trusts: finalmente a legislação brasileira tocou no nome deles