Grandes empresas não podem descontar danos morais do IR

Por Adriana Aguiar - de São Paulo

As grandes empresas não podem descontar do Imposto de Renda (IRPJ) valores de indenizações por danos morais e materiais pagos por meio de acordos judiciais trabalhistas. A orientação está em solução de consulta da Receita Federal. O texto surpreendeu advogados, que preveem uma onda de autuações.

Até então, os contribuintes costumavam abater essas despesas da base de cálculo do Imposto de Renda. Agora, segundo especialistas, podem de ter que pagar o que foi descontado, com multa de 75% sobre o valor devido.

A solução de consulta, de nº 77, foi editada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) e publicada no dia 25 de junho. O entendimento da Receita, que vale para as empresas que apuram o imposto pelo lucro real – com faturamento anual acima de R$ 78 milhões -, foi o de que esses valores não podem ser considerados como despesas necessárias, usuais ou normais à atividade da pessoa jurídica.

Acordos são comuns na Justiça do Trabalho e as indenizações predominam em muitos deles, principalmente nos firmados antes de sentenças. Neste ano, foram homologados mais de 310 mil, segundo informações do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Em 2020, foram fechados 510,5 mil e no ano anterior, 853,7 mil.

Nesses acertos, é comum o pagamento de verbas trabalhistas por meio de indenização, para escapar da tributação, segundo a advogada trabalhista Manoela Pascal, do Souto Correa Advogados. “São isentas [as indenizações]. É uma forma até de oferecer valores mais altos para o empregado, já que não há descontos”, diz.

Mesmo após mudança na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a prática foi mantida. A Lei nº 13.876, de 2019, introduziu o parágrafo 3º-A ao artigo 832 da norma e estabeleceu que no mínimo o equivalente a um salário mínimo deve ser discriminado como verba remuneratória.

No caso analisado pela Receita, a empresa queria verificar a possibilidade de dedução de valores estabelecidos em acordo com um trabalhador. Além de indenizações por danos materiais e morais, a serem pagas em dez parcelas iguais, mensais e sucessivas, o acerto inclui o plano de assistência médica, que deverá ser mantido por três anos.

Na resposta, a Receita afirma que o artigo 311 do Decreto nº 9.580, de 2018, que regulamenta o Imposto de Renda, estabelece que somente serão dedutíveis as despesas necessárias à atividade da empresa e à manutenção da respectiva fonte produtora ou as despesas operacionais ou usuais na atividade da companhia. A mesma determinação, segundo o órgão, está no artigo 68 da Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 2017.

A Receita também cita duas soluções de consulta. A primeira, de nº 281, editada em 2019, esclarece que a legislação tributária não estipula um rol taxativo de despesas dedutíveis, tampouco o faz em relação às despesas indedutíveis. “Ao invés disso, estabelece uma regra geral de dedutibilidade, no qual são impostos os requisitos da necessidade e usualidade”, diz.

A segunda, de nº 209, também de 2019, trata da indedutibilidade de valores em acordo judicial sobre compensação por perdas patrimoniais, decorrentes da divulgação de informações erradas pela companhia, e honorários advocatícios.

Para o órgão, “contraprestações pagas em virtude da prática de atos ilícitos ou para encerrar, sem solução de mérito, processos em que é aferida a prática de ilícitos não podem ser consideradas necessárias à atividade da empresa”.

Sobre as despesas com plano de saúde, a Receita afirma que podem ser dedutíveis da base de cálculo, desde que preencham certos requisitos, presentes no artigo 372, do Decreto nº 9.580, de 2018.

Até então, segundo o advogado Luís Felipe de Campos, sócio do Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados, as empresas de lucro real deduziam esses valores e “não havia dúvidas sobre isso”. Agora, acrescenta, correrão o risco de serem autuadas.

A argumentação da Receita de que se trata de ato ilícito e, por isso, não poderia ser deduzido, afirma Campos, vai na contramão do que diz o artigo 118 do Código Tributário Nacional (CTN). De acordo com o dispositivo, a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos.

A recomendação, segundo Campos, é que as empresas continuem deduzindo essas despesas e, se forem autuadas, discutam a questão administrativamente. Até porque, diz, existe decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) de 2018 que tratou da possibilidade de abatimento de indenizações trabalhistas fundadas em lei ou em convenção coletiva (acórdão nº 1301-002.830).

Para a advogada tributarista Thais Meira, sócia do BMA Advogados, esse entendimento da Receita sobre as indenizações é preocupante e as companhias que não quiserem correr riscos podem entrar com ação judicial.

Os contribuintes, segundo a advogada, podem alegar que esse tipo de gasto dever ser considerado como necessário porque, ao firmar um acordo, são obrigados a cumpri-lo, diante da homologação do juiz.

A advogada ainda lembra que existem entendimentos pela dedução de multas por descumprimento contratual, que podem ser usadas por analogia. Estão nos Pareceres Normativos CST da Receita nº 50 e nº 66, ambos de 1976. Há também decisões do Carf no mesmo sentido (acórdão nº 103- 19.527).

Fonte: Valor Econômico

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