A redução de capital e a reforma tributária

Por Caio Malpighi

Uma série de alterações polêmicas nas regras de Imposto de Renda propostas pelo governo federal por meio do Projeto de Lei (PL) nº 2.337/2021 – como a volta da tributação dos dividendos – fez com que outros pontos específicos do texto não fossem notados pelas notícias, como a pretensão de se tributar a devolução de bens aos sócios na redução de capital.

Como essa alteração em especial cuida de questão que, há mais de 30 anos, gera litígios na seara tributária, nada mais oportuno do que inteirar o leitor de seu histórico.

Nos últimos tempos, o Carf tem enrijecido seu posicionamento, tratando muitas vezes como simulação a redução de capital

A redução de capital é operação societária que está prevista no Código Civil e na Lei das Sociedades Anônimas. Pode ocorrer na hipótese de perdas irreparáveis para a sociedade ou em situações de excesso de capital. Nesta última situação, o sócio/acionista receberá em ativos da sociedade parte do que havia sido investido, na proporção do capital reduzido.

Sob a égide fiscal, o artigo 22 da Lei nº 9.249, de 1995, permite que a mensuração do bem alienado na devolução seja realizada (i) ou a valor contábil (de custo histórico de aquisição), (ii) ou então a valor de mercado.

Nessa segunda hipótese, a norma determina que o ganho de capital para fins de incidência do IRPJ/CSLL seja calculado com base na diferença entre o valor de mercado e o valor contábil do bem alienado. A contrário sensu, caso a devolução seja realizada a valor contábil, então não haverá variação positiva passível de tributação, sendo tal operação fiscalmente neutra.

Abre-se um parêntese apenas para mencionar que, após 2015, a Lei nº 12.973 veio trazer neutralidade tributária aos novos padrões contábeis que foram sido estabelecidos pela Lei nº 11.638. Dentre esses mecanismos, foi determinado que a tributação da variação decorrente da avaliação a valor justo (AVJ) se desse apenas quando da alienação do bem avaliado, desde que obedecidos os controles contábeis em subcontas específicas. Assim, após essas novas regras, discute-se se a redução de capital com entrega de bens a valor contábil possibilitada pelo artigo 22 da Lei nº 9.249, de 1995, deveria ou não englobar a AVJ caso houver, o que poderia ou não atrair a incidência ganho de capital nessas hipóteses, mesmo para os bens devolvidos a valor contábil.

De todo modo, é certo que a regra do artigo 22 da Lei nº 9.249, de 1995, objeto central deste texto, foi instituída sob a égide da antiga contabilidade, na década de 90, ao lado da isenção da distribuição de lucros e dividendos. Isso é um fato importante pois, anteriormente, como os lucros e dividendos eram tributados pelo Imposto de Renda, existiam regras fiscais rígidas para operações realizadas entre pessoa jurídica e seus sócios, a fim de se evitar a distribuição disfarçada de lucros (DDL). Por tais regras, se um bem fosse transacionado entre sociedade e sócio a valor inferior ao de mercado, presumia-se ocorrida distribuição de lucros e então tributava-se a operação.

O Fisco então passou a autuar uma série de operações de redução de capital com devolução de bens pelo valor contábil, exigindo Imposto de Renda sobre tais operações. A questão foi judicializada e o antigo Tribunal Federal de Recursos (TFR) formou jurisprudência no sentido de que a devolução de bens pelo capital reduzido – no mesmo valor que o originalmente integralizado – não geraria incidência de Imposto de Renda (AC nº 39.393/RS, julgado em 29 de junho de 1983).

Com a edição da Lei nº 9.249, de 1995, algumas medidas fiscais de integração entre a tributação da sociedade e dos sócios foram instituídas, para impedir a dupla tributação (na pessoa jurídica e na pessoa física) da mesma riqueza. Por exemplo, a distribuição de dividendos foi isentada, para o lucro empresarial ser tributado totalmente na pessoa jurídica.

Outra medida de integração foi a neutralização fiscal da redução de capital envolvendo entrega de bens do ativo aos sócios, na esteira da mencionada jurisprudência do TFR, dando ao contribuinte a opção de realizar a alienação a valor contábil, hipótese em que o ganho de capital deixa de ser tributado na pessoa jurídica, e será tributado somente quando da posterior alienação pelo sócio pessoa física, que fica submetido a uma carga tributária menor.

No início, apesar de ser contestada pelo Fisco em situações supostamente dissimuladas, a utilização da opção fiscal contida no artigo 22 pelos contribuintes foi amplamente aceita pela antiga jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Mas, nos últimos tempos, o Carf tem enrijecido seu posicionamento, tratando muitas vezes como “simulação” a redução de capital com devolução de ativos aos sócios, quando sucedida – em curto período – da venda na pessoa física. Isso quando é verificada a falta de propósito na redução do capital social e a intenção de alienar o bem a mercado da forma fiscalmente menos onerosa possível. Fica claro que a jurisprudência tem se aprofundado na questão.

Agora, com a apresentação do PL nº 2.337, de 2021, o governo federal pretende acabar com essa opção fiscal, propondo uma alteração no artigo 22 da Lei nº 9.249, de 1995, para tributar o ganho de capital na pessoa jurídica, vedando expressamente a devolução de bem pelo valor contábil na redução de capital.

Algumas questões que daí afloram: (i) voltaremos para a discussão que deu azo à jurisprudência do TFR na década de 80, em um cenário de tributação de dividendos aliada à vedação de redução a valor de contábil? (ii) A devolução de bens pelo capital reduzido por excesso seria um evento gerador de ganho, a autorizar a tributação pretendida pelo governo federal, ou seria apenas um fenômeno permutativo, tributariamente neutro? Certamente tais questões precisam ser debatidas.

Fonte: Valor Econômico


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