A capitalização composta de juros na jurisprudência brasileira

Por Gledson Campos, Luis Ambrósio e Lucas Carneiro

A discussão acerca da possibilidade de cobrança de juros sobre juros (também chamada de capitalização composta de juros ou de anatocismo) não é nova no Direito. De fato, ela tem sido tópico de análise pela doutrina e objeto de diversas decisões judiciais, com enormes impactos nas práticas financeiro-comerciais cotidianas. Por isso, é importante esclarecer o que a jurisprudência tem entendido sobre a prática.

Como uma regra geral, o ordenamento jurídico brasileiro veda a capitalização de juros, conforme expresso na denominada Lei da Usura (Decreto nº 22.626/1933). Nos termos do artigo 4º da referida norma, "é proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano". No mesmo sentido, segue a Súmula 121 do Supremo Tribunal Federal, que disciplina que "é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada".

A leitura isolada do decreto e da súmula do STF tem levado à repetição do (quase) mantra de que o anatocismo seria integralmente vedado pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo autorizada única e exclusivamente a cobrança simples de juros. Contudo, é preciso ter cuidado com essa afirmação, uma vez que há importantes exceções a essa regra que podem impactar sobremaneira negociações financeiro-comerciais.

Isso porque o STF e o STJ já consolidaram, respectivamente, entendimentos (inclusive sumulados) de que as disposições da Lei da Usura não são aplicáveis a instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional (Súmula 596/STF) e de que a legislação sobre cédulas de crédito rural, comercial e industrial admite a capitalização de juros (Súmula 93/STJ). Ambas as súmulas são decorrentes da MP 2.170-36/2001.

O artigo 5º dessa primeira norma regulamenta que "nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano". Portanto, a partir desse entendimento sumulado, tem-se decidido que não há vedação à prática de anatocismo por instituições como bancos, caixas econômicas e cooperativas de crédito, por exemplo.

O entendimento de que as limitações de juros previstas na Lei da Usura não são aplicáveis a instituições que integram o Sistema Financeiro Nacional (SFN) tem sido amplamente aceito pelos tribunais de segunda instância. Por exemplo, há diversos julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo que seguem no sentido de afirmar que "as regras da Lei de Usura não se aplicam às taxas de juros cobradas nas operações realizadas pelas pessoas jurídicas componentes do SFN".

Cumpre esclarecer que a inexistência de vedação à prática de anatocismo não significa que não haja limitações a essa espécie de capitalização. Na verdade, há diversos requisitos a essa prática, como, por exemplo, a necessidade de que a pactuação da cobrança de juros sobre juros esteja expressa no contrato e que a metodologia de cálculo seja bastante clara, bem como o de que inexista abusividade na taxa pactuada (ou seja, se os juros destoarem demais da taxa média praticada pelo mercado para a operação específica) em situações que envolvam relação de consumo.

O objetivo aqui não é apontar todas as hipóteses em que o ordenamento jurídico brasileiro autoriza a prática da capitalização composta de juros. Na realidade, o verdadeiro intuito da análise é combater o entendimento quase dogmático de que a prática de anatocismo não é aceita pela jurisprudência, alertando que qualquer operação financeira em que haja a cobrança de juros exige uma análise detalhada, a fim de se evitar futuras surpresas relativas à sua capitalização.

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