Difal de ICMS nas operações interestaduais

Como consequência do avanço da tecnologia da informática, as vendas não presenciais (e-commerce), aumentaram bastante nos Estados produtores, tendo como adquirentes os consumidores localizados nos Estados do N, NE, CO e ES, além do DF. Governadores desses Estados e do DF, prejudicados com o crescimento do e-commerce, experimentando queda brusca na arrecadação do ICMS, se uniram e conseguiram firmar o Protocolo no 21/2011, que equiparava a uma operação entre contribuintes a venda não presencial feita por um estabelecimento localizado em um determinado Estado para o consumidor final localizado em outro Estado. Entretanto, esse Protocolo, viciado formal e materialmente, foi declarado inconstitucional pelo STF.[1]

Daí a promulgação da EC no 87, em 16 de abril de 2015, que, mediante alteração da redação do inciso VII sob comento, acaba com a distinção entre destinatário- contribuinte e não contribuinte do ICMS, passando a prevalecer sempre a alíquota interestadual, colocando um ponto final na guerra fiscal que havia surgido por iniciativa dos consumidores.

Prescreve o citado inciso:

VII – Nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual (Redação dada pela EC no 87, de 16-4-2015).

A mesma Emenda nº 87/15 alterou a redação do inciso VIII, do § 2º, do art. 155 da CF para regular a responsabilidade pelo recolhimento do difal, nos seguintes termos:

VIII– A responsabilidade pelo recolhimento do imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual de que trata o inciso VII será atribuída:

a) ao destinatário, quando este for contribuinte do imposto;

b) ao remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto.

A responsabilidade pelo recolhimento da diferença do ICMS resultante da alíquota interna e da alíquota interestadual cabe ao destinatário da mercadoria ou ao remetente da mercadoria conforme se trate de contribuinte do imposto ou não contribuinte do imposto. Entretanto, essa regra foi flexibilizada mediante acréscimo do art. 99 do ADCT, que estabelece um regime de transição nos seguintes termos:

Art. 99. Para efeito do disposto no inciso VII do § 2o do art. 155, no caso de operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual será partilhado entre os Estados de origem e de destino, na seguinte proporção:

I – para o ano de 2015: 20% (vinte por cento) para o Estado de destino e 80% (oitenta por cento) para o Estado de origem;

II – para o ano de 2016: 40% (quarenta por cento) para o Estado de destino e 60% (sessenta por cento) para o Estado de origem;

III – para o ano de 2017: 60% para o Estado de destino e 40% (quarenta por cento) para o Estado de origem;

IV – para o ano de 2018: 80% (oitenta por cento) para o Estado de destino e 20% (vinte por cento) para o Estado de origem;

V – a partir do ano de 2019: 100%para o Estado de destino.

Penso que a matéria está suficientemente regulada pelos textos constitucionais autoaplicáveis, nada restando para ser regulamentado.

Ocorre que o Confaz, um órgão que sequer tem personalidade jurídica, firmou o Convênio ICMS no 93/15, alterado pelo Convênio ICMS no 152/15, modificando a forma de recolhimento do ICMS nas operações interestaduais feitas com consumidores finais, determinando, na prática, o duplo pagamento do imposto: pela alíquota interestadual no Estado remetente e pela alíquota resultante da diferença entre as alíquotas interna e interestadual no Estado de destino, de sorte que o remetente arcará com a totalidade do imposto calculado pela alíquota interna vigente no Estado de destino, instituindo de forma generalizada o regime de substituição tributária que está limitada aos casos previstos no § 1o do art. 9o da LC no 87/96.

Sua inconstitucionalidade é manifesta por ter usurpado a função que caberia à lei complementar, se fosse o caso, além de a sua cláusula nona ter determinado a aplicação dos dispositivos do referido Convênio aos optantes do regime do Simples Nacional.

Daí o ajuizamento de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade de nos 5.464, 5.469 e 5.439, sendo que na de no 5.464 foi concedida medida liminar para sustar os efeitos da cláusula nona.

Na sessão virtual do dia 11-11-2020 foi proferida a seguinte decisão na ADI nº 5.469:

Decisão: Após o voto do Ministro Dias Toffoli (Relator), que julgava procedente o pedido formulado na ação direta, declarando a inconstitucionalidade formal das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do Convênio ICMS nº 93, de 17 de setembro de 2015, do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), por invasão de campo próprio de lei complementar federal, e propunha a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, nos termos do art. 27 da Lei nº 9.868/99, para estabelecer que a decisão produza efeitos, quanto à cláusula nona, desde a concessão da medida cautelar, ad referendum do Plenário, nos autos da ADI nº 5.464/DF, e, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício seguinte a este julgamento (2021); e do voto do Ministro Marco Aurélio, que acompanhava o Relator no tocante à procedência da ação, mas não modulava os efeitos da decisão, pediu vista dos autos o Ministro Nunes Marques.

Parece-me inquestionável a inconstitucionalidade do Convênio guerreado, pois em termos de hierarquia ele se situa abaixo da lei estadual. A hierarquia vertical da lei segundo decidido pelo STF obedece, em matéria de tributação pelo ICMS, à seguinte escala: (a) preceito constitucional; (b) lei complementar; (c) lei estadual; e (d) Convênio.

Os convênios editados nos limites da Constituição e da Lei Complementar devem ser observados pelas legislações tributárias dos Estados, não porque se situam acima delas, mas porque os Estados ficam vinculados aos atos por eles aprovados. O Confaz não faz outra coisa senão editar normas aprovadas pelos Estados.

Logo, o convênio não configura um instrumento normativo autônomo.  Ele, na verdade, tem natureza infralegal, celebrado de forma a complementar a legislação estadual do ICMS. Não pode se sobrepor à legislação estadual, muito menos avançar no campo sob reserva de lei complementar.

Por fim, é certa a declaração de inconstitucionalidade do Convênio atacado que vem vigorando desde os idos de 2015, por adentrar no campo reservado à lei complementar, conforme sublinhado nos votos já proferidos.

A pergunta que se faz é a seguinte: pode a lei complementar dispor de forma diferente do que está no inciso VIII, do § 2º, do art. 155 da CF e do que prescreve o art. 99 do ADCT? A resposta é não! Aqueles dispositivos constitucionais são autoaplicáveis, não dependendo de qualquer regulamentação por lei complementar.

Em suma, toda essa confusão jurisprudencial foi criada pela indevida intromissão do Confaz para regular uma matéria que nem a lei complementar poderia fazer, pois, não se trata de conferir benefícios fiscais do ICMS.

Por Kiyoshi Harada

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