Os juros sobre o capital próprio e as contas do patrimônio líquido

Nesta semana, trataremos dos precedentes do Carf acerca de controvérsias envolvendo as contas do patrimônio líquido que devem ou não integrar a base de cálculo dos juros sobre o capital próprio.

Evolução histórica do tema

Os juros sobre o capital próprio foram inseridos no ordenamento brasileiro por meio do artigo 9º da Lei nº 9.249/95 [1], que autorizou que as pessoas jurídicas deduzam para efeitos de apuração do lucro real os juros pagos ou creditados aos sócios ou acionistas a título de remuneração de capital, sendo que tais juros serão calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação “pro rata dia” da TJLP.

Considerando que o cálculo dos juros sobre o capital próprio leva em consideração as contas do patrimônio líquido, surgem eventuais dúvidas sobre o alcance de tais contas para fins de entrada ou não no âmbito do cômputo da base de tais juros, de modo que o tema passou por diferentes alterações legislativas nos últimos trinta anos.

Na redação original do § 8º [2] do artigo 9º da Lei nº 9.249/95, só havia menção expressa de que o valor da reserva de reavaliação não deveria ser considerado para fins de cálculo do patrimônio líquido.

Vale destacar que eram registradas nas reservas de reavaliação as contrapartidas de aumentos de valor atribuídos a elementos do ativo em virtude de novas avaliações com base em laudo, conforme dispunha o então §3º do artigo 182 da Lei nº 6.404/76. A partir da publicação da Lei nº 11.638/07, deixa de haver previsão legislativa para tal grupo de contas, assim como há disposição expressa de que os saldos existentes em tais contas seriam mantidos tão somente até sua efetiva realização.

A não inclusão das reservas de reavaliação no cômputo da base de cálculo dos juros sobre o capital próprio tinha a sua razão de ser se partirmos do pressuposto de que os juros foram criados com o objetivo de reduzir os efeitos fiscais decorrentes da extinção da correção monetária de demonstrações financeiras.

Com a edição da Lei nº 12.973/14, o § 8º [3] do artigo 9º da Lei n. 9.249/95 foi alterado e passou a trazer uma lista das contas do patrimônio líquido a serem levadas em consideração para fins de cálculo dos juros sobre o capital próprio, sendo tais contas as seguintes: (1) capital social; (2) reservas de capital; (3) reservas de lucros; (4) ações em tesouraria; e (5) prejuízos acumulados.

A enumeração das contas do patrimônio líquido que estariam contidas no cálculo do patrimônio líquido trouxe em teoria maior objetividade ao cálculo dos juros sobre o capital próprio. Ao compararmos as contas dispostas acima com aquelas constantes no inciso III do § 2º do artigo 178 da Lei nº 6.404/76, nota-se que apenas não consta na lista do § 8º  do artigo 9º da Lei nº 9.249/95 a conta de ajustes de avaliação patrimonial.

Tal conta advém do processo de convergência das normas contábeis brasileiras às normas contábeis internacionais, sendo que o § 3º do artigo 182 da Lei nº 6.404/76 dispõe que serão classificadas como ajustes de avaliação patrimonial, enquanto não computadas no resultado do exercício em obediência ao regime de competência, as contrapartidas de aumentos ou diminuições de valor atribuídos a elementos do ativo e do passivo, em decorrência da sua avaliação a valor justo.

Como se observa, ao servir para o registro contábil de contrapartidas de avaliações a valor justo de ativos e passivos, há um certo sentido em não incluir as contas de ajustes de avaliação patrimonial na mensuração dos juros sobre o capital próprio.

Por fim, com a edição da Lei nº 14.789/23, o § 8º do artigo 9º da Lei nº 9.249/95 foi modificado mais uma vez e houve a inclusão dos parágrafos § 8º-A, § 8º-B e § 8º-C ao referido artigo.

Na atual redação do § 8º[4] do artigo 9º da Lei n. 9.249/95, as contas do patrimônio líquido que são consideradas para o cálculo dos juros sãos as seguintes: (1) capital social integralizado; (2) reservas de capital de que tratam o § 2º do artigo 13 e o parágrafo único do artigo 14 da Lei nº 6.404/76; (3) reservas de lucros, exceto a reserva de incentivo fiscal de que trata o artigo 195-A da Lei nº 6.404/76; (4) ações em tesouraria; e (5) lucros ou prejuízos acumulados.

É possível observar uma maior delimitação no que tange às contas que integrarão o cálculo dos juros sobre o capital próprio. Ao adjetivar o capital social como integralizado, a norma tão somente evidenciou algo que já deveria ser óbvio, isto é, o montante meramente subscrito e não integralizado possui efeito zero no patrimônio líquido.

Também houve a limitação de que apenas integrarão o cálculo dos juros sobre o capital próprio as reservas de capital relacionadas com a emissão com ágio de ações com ou sem valor nominal, não havendo mais a possibilidade de inclusão de reservas de capital relacionadas ao produto da alienação de partes beneficiárias e bônus de subscrição.

No que tange às reservas de lucros, houve expressamente a determinação de não inclusão da reserva de incentivo fiscal constituída com base no artigo 195-A da Lei nº 6.404/76.

Com relação à conta de prejuízos acumulados, houve o acréscimo da expressão lucros, de modo que estão incluídos os montantes de lucros ou prejuízos acumulados. Neste ponto, é importante destacar que o intuito da alteração do inciso III do § 2º do artigo 178 da Lei nº 6.404/76 para que não houvesse mais menção expressa aos lucros acumulados desde a edição da Lei nº 11.638/07 é forçar que haja uma destinação explícita dos lucros pelas sociedades anônimas, isto é, ou distribui-se como dividendos, ou destina-se para reserva de lucros.

Nessa linha, a própria Resolução CFC nº 1.159/09 estabelece de maneira expressa que entidades que não sejam sociedades por ações seguem podendo manter saldo ao final de cada exercício em conta de lucros acumulados.

Tal realidade é inclusive reafirmada na própria norma de juros sobre o capital próprio, uma vez que o § 1º do artigo 9º da Lei nº 9.249/95 segue tratando do limite de dedução dos juros com base na metade do saldo de lucros acumulados e reserva de lucros. Ora se o legislador tributário desconhecesse essa realidade, não precisaria manter menção aos lucros acumulados neste dispositivo normativo, sobretudo, levando em conta que o artigo 9º sofreu diversas alterações legislativas desde então.

Merece destaque ainda o § 8-A adicionado ao artigo 9º da Lei n. 9.249/95, que estabeleceu que para fins de apuração da base de cálculo dos juros (1) não serão consideradas as variações positivas no patrimônio líquido decorrentes de atos societários entre partes dependentes que não envolvam efetivo ingresso de ativos à pessoa jurídica, com aumento patrimonial em caráter definitivo, independentemente do disposto nas normas contábeis; e (2) deverão ser considerados tanto eventuais lançamentos contábeis redutores efetuados em rubricas de patrimônio líquido que não estiverem previstas no § 8º do artigo 9º da Lei nº 9.249/95, quando decorrerem dos mesmos fatos que deram origem a lançamentos contábeis positivos efetuados em rubricas previstas no referido parágrafo; quanto valores negativos registrados em conta de ajuste de avaliação patrimonial decorrentes de atos societários entre partes dependentes.

Ao trazer uma redação legal bastante truncada, tal dispositivo normativo torna-se de difícil interpretação e capaz de gerar um contencioso tributário no que tange à potencial não inclusão na base dos juros de valores decorrentes, por exemplo, do reconhecimento de resultado positivo de equivalência patrimonial.

Precedentes do Carf

Feitas as considerações gerais sobre a evolução legislativa relativa às contas do patrimônio líquido relacionadas ao cálculo dos juros sobre o capital próprio, passaremos a análise de algumas controvérsias julgadas no âmbito do Carf.

No Acórdão n. 1201-007.149 (de 11/12/2024), foi negado provimento ao recurso voluntário por voto de qualidade, de forma que tanto os saldos existentes na conta de orçamento de capital quanto os saldos existentes na conta de Dividendos Propostos não foram considerados parte do patrimônio líquido para fins de cálculo dos juros sobre o capital próprio.

No referido caso, a autoridade fiscal indicou que considerou as seguintes contas para fins do cálculo dos juros: (1) capital social; (2) reservas de capital; (3) reservas de lucros; e (4) ações em tesouraria.

Todavia, a autoridade fiscal desconsiderou outras contas classificadas como reservas de lucros no patrimônio líquido, a bem saber as contas de “Orçamento de Capital” e de “Dividendos Adicionais Propostos”.

A recorrente trouxe como evidência de seu posicionamento a Ata de Reunião Extraordinária do Conselho de Administração Realizada em 1º de fevereiro de 2018, cuja Ordem do Dia, dentre outras, era “Deliberar acerca … (2) da proposta de destinação do lucro líquido e distribuição de dividendos referentes ao exercício findo em 31 de dezembro de 2017, bem como da proposta de orçamento de capital da Companhia”.

Constou ainda que o orçamento de capital para o exercício de 2018 tinha origem tanto em parte do lucro líquido do exercício de 2017 quanto em parte de valores remanescentes do lucro de 2016.

O conselheiro relator entendeu que não haveria evidência de que a Assembleia Geral aprovou a aventada proposta do Conselho de Administração e de que não haveria evidência de que as destinações do orçamento de capital foram registradas nas contas do patrimônio líquido.

Concluiu ainda o relator de que o “orçamento de capital” não é uma conta contábil do patrimônio líquido, tratando-se da denominação do valor de capital que a Assembleia Geral tem disponibilidade para deliberar sobre o seu destino.

Ademais, tendo em vista que o texto da ata afirma que o orçamento de capital pode ser utilizado para reforçar o capital de giro, para comprar cotas de fundos de investimento em direitos creditórios da companhia e, até mesmo, para a recompra de ações da companhia, o conselheiro relator assinala que cada um desses possíveis destinos deve ser alocado em conta contábil própria, não necessariamente em conta contábil de reserva de lucros, como pretenderia a recorrente.

No tocante à conta de “Dividendos Adicionais Propostos”, o acórdão da DRJ já havia decidido que não haveria na Lei n. 6.404/76 qualquer reserva na qual poderia ser enquadrada a conta de Dividendos Adicionais, de modo que por falta de previsão legal, tal conta não deveria compor a Reserva de Lucros.

O relator concorda com os fundamentos do Acórdão da DRJ e menciona que a interpretação que a recorrente faz da Interpretação Técnica ICPC 08, quando esta recomenda manter em conta do patrimônio líquido o valor não distribuído de dividendos, não autoriza o entendimento de que essa manutenção tem natureza de reserva de lucros, uma vez que já deliberada a sua destinação para remunerar os sócios.

Com a devida vênia ao voto do ilustre relator, entendemos de maneira oposta no sentido de que tanto a conta de “Orçamento de Capital” quanto a conta de “Dividendos Adicionais Propostos” devem integrar o patrimônio para fins de cálculo dos juros.

Em primeiro lugar, é importante ressaltar que os resultados contábeis apurados pela entidade nos exercícios anteriores integram o patrimônio líquido a menos que tenham sido distribuídos como dividendos. Isso vale para o resultado contábil do exercício corrente que integrará o patrimônio líquido ao final do exercício

A alocação em conta de “orçamento de capital” ou em conta de “Dividendos Adicionais Propostos” não retira a natureza de reserva de lucros, sobretudo quando tais rubricas ainda carecem de aprovação pelos acionistas em assembleia geral. Até então tais alocações são apenas proposições de destinações dadas pela administração da companhia, mas que estão sujeitas à confirmação pela assembleia.

No caso específico da conta de “orçamento de capital”, a aprovação de tal destinação pela assembleia apenas confirma que aquele montante de lucro permanecerá retido na entidade e não será distribuído, o que confirma a sua natureza de reserva de lucro, nos termos do artigo 196 da Lei nº 6.404/76, que estabelece que a assembleia geral poderá, por proposta dos órgãos da administração, deliberar reter parcela do lucro líquido do exercício prevista em orçamento de capital por ela previamente aprovado.

No caso dos “Dividendos Adicionais Propostos”, merece destaque a ICPC 08, que em seu item 24 dispõe que: “mas a parcela que exceder ao previsto legal ou estatutariamente deve ser mantida no patrimônio líquido, em conta específica, do tipo ‘dividendo adicional proposto’, até a deliberação definitiva que vier a ser tomada pelos sócios. Afinal, esse dividendo adicional não se caracteriza como obrigação presente na data do balanço, já que a assembleia dos sócios ou outro órgão competente poderá, não havendo qualquer restrição estatutária ou contratual, deliberar ou não pelo seu pagamento ou por pagamento por valor diferente do proposto”, o que reafirma que se trata de lucro reservado no patrimônio líquido para ser distribuído desde que haja aprovação pela assembleia.

Outro ponto relevante diz respeito ao fato de que os juros sobre o capital devem ser calculados pro rata dia, o que implica que seu cálculo mais apurado levará em conta as alterações diárias nas contas do patrimônio líquido. Em outras palavras, mesmo no ano de efetivo pagamento dos dividendos, há possibilidade de inclusão dos dividendos propostos como base dos juros sobre o capital próprio, sendo que eles somente deixarão de fazer parte de tal cálculo a partir do momento em que haja a aprovação de tal distribuição pelos acionistas, momento em que tais dividendos passarão a ser uma obrigação e integrar o passivo da entidade.

Conclusão

Diante de todo o exposto, nota-se que as contas de “Orçamento de Capital” e de “Dividendos Adicionais Propostos” não foram consideradas como integrantes do patrimônio líquido para fins de cálculo dos juros sobre o capital próprio no precedente encontrado sobre o tema no Carf.

 ________________________________________

[1] Lei n. 9.249/95: “Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP”.

[2] Lei n. 9.249/95: “Art. 9º (…) §8º Para os fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, não será considerado o valor de reserva de reavaliação de bens ou direitos da pessoa jurídica, exceto se esta for adicionada na determinação da base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido”.

[3] Lei n. 9.249/95: “Art. 9º (…) § 8o  Para fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, serão consideradas exclusivamente as seguintes contas do patrimônio líquido:

I – capital social;

II – reservas de capital;

III – reservas de lucros;

IV – ações em tesouraria;

V – prejuízos acumulados”.

[4] Lei n. 9.249/95: “Art. 9º (…) § 8º Para fins de cálculo da remuneração prevista neste artigo, serão consideradas exclusivamente as seguintes contas do patrimônio líquido:

I – capital social integralizado;

II – reservas de capital de que tratam o § 2º do art. 13 e o parágrafo único do art. 14 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

III – reservas de lucros, exceto a reserva de incentivo fiscal de que trata o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;

IV – ações em tesouraria; e

V – lucros ou prejuízos acumulados.”.


Por Alexandre Evaristo Pinto

Fonte: CONJUR

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