Não incide ISS sobre industrialização por encomenda, decide STF

Modulação dos efeitos da decisão se aplicará a partir da publicação da ata de julgamento

O Supremo Tribunal Federal (STF) afastou nesta quarta-feira (26/2) a incidência do Imposto Sobre Serviços (ISS) sobre a industrialização por encomenda. O placar ficou em 10x1, com a maioria dos ministros acompanhando o relator, ministro Dias Toffoli. Por 8 votos a 3, porém, foi definida a modulação dos efeitos da decisão, que valerá a partir da publicação da ata de julgamento. Ainda, os contribuintes que não discutem o tema na Justiça não poderão pedir a restituição pelo que já foi pago anteriormente.

O RE 882461 envolve uma disputa entre a ArcelorMittal e o município de Contagem (MG), para definir se a atividade de corte de chapas de aço, a serem utilizadas por outra empresa na construção civil, tem caráter de industrialização ou prestação de serviços. O contribuinte defendeu que se trata de uma etapa da industrialização, incidindo o ICMS. Já o município de Contagem argumentou que se trata de prestação de serviço, com a cobrança do ISS.

Toffoli considerou que a legislação sobre o imposto, a LC 116/03, ao não ressalvar bens destinados à industrialização ou à comercialização, “deformou o critério material do ISS” e invadiu competência da União, provocando efeito cumulativo com o IPI. A lei complementar prevê como base de cálculo do ISS o preço do serviço.

Segundo Bruno Teixeira, sócio tributarista do TozziniFreire Advogados, o critério material de incidência do ISS, que Toffoli diz ter sido “deformado” pela LC 116/03, é justamente a prestação de serviços. O advogado avalia que a industrialização por encomenda se trata de uma cadeia produtiva de bens, não cabendo aos municípios tributarem a operação por serviços. Para ele, a tributação desse tipo de operação deve ser de competência da União e dos estados, já que é referente à industrialização de produtos e à circulação de mercadorias.

A advogada Thais Lorena Noveletto, tributarista do Barbosa Prado Advogados, afirma que o cenário do julgamento é comum no cenário nacional, com empresas que adquirem materiais para que outras realizem uma parte do processo produtivo. Ela explica que o relator afastou o ISS nesse contexto porque o serviço prestado pela empresa contratada deve ser analisado pelo papel que ela desempenha na cadeia econômica, e não de forma isolada.

“Se o bem retorna ao estabelecimento contratante para circulação ou para uma nova industrialização após a adoção de processos no estabelecimento industrializador, tal processo representa uma fase do ciclo econômico, cujo objetivo final é a produção e a circulação da mercadoria”, diz Noveletto.

Toffoli propôs a seguinte tese: “É inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.5 da Lista anexa à LC 116/03 se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização”.

O item citado por Toffoli faz referência aos processos de restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem, tingimento, galvanoplastia, anodização, corte, recorte, plastificação, costura, acabamento, polimento e “congêneres de objetos quaisquer”. No entanto, segundo o advogado representante do contribuinte no caso, Tiago Conde Teixeira, sócio do Sacha Calmon Misabel Derzi Consultores e Advogados, a decisão abrange todas as operações referentes à industrialização por encomenda.

Na avaliação de Conde, a decisão do tribunal traz segurança jurídica para os contribuintes, além de pacificar a questão quanto à incidência do ISS nas operações de industrialização por encomenda. “O tribunal pacifica uma questão de incidência. Muitos contribuintes estavam sendo bitributados pelo ICMS e pelo ISS, então a Corte traz de forma concreta que se trata de uma etapa intermediária. Com essa posição, o STF promove mais uma vez a pacificação social e segurança jurídica, porque agora os contribuintes vão poder recolher o tributo que é devido”, afirmou o tributarista ao JOTA.

No mérito, o único voto vencido foi o do ministro Alexandre de Moraes, que defendeu a aplicabilidade do ISS, considerando adequada a decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) tomada anteriormente no caso.

Na origem, o tribunal entendeu que, independentemente do argumento da empresa de que os serviços prestados configuram etapa intermediária na cadeia produtiva, o processo deveria ser tratado como uma atividade-fim, sujeita à tributação.

Multa de mora

Com o afastamento do ISS, Toffoli entendeu que ficou prejudicada a análise, no caso concreto, da constitucionalidade da penalidade de 30% aplicada pelo município de Contagem. No entanto, na fixação da tese geral, Toffoli definiu que a multa de mora não pode ultrapassar 20%. O entendimento também foi seguido pelos demais ministros, com exceção de Moraes.

Moraes disse concordar com o limite de 20% sobre o valor do tributo para a multa de mora, mas entendeu que, no caso concreto, o município não aplicou multa de mora, mas multa punitiva de 30%. O magistrado observou que, neste caso, o limite fixado pelo STF para a penalidade é de 100%. Diferentemente da multa punitiva, que pune o contribuinte por não ter pago um tributo específico, a multa moratória penaliza o pagamento feito fora do prazo.

Para Bruno Teixeira, chama a atenção o fato de os ministros não modularem a limitação da multa de mora. “Toda a discussão de modulação se deu em relação à industrialização por encomenda. Isso significa que alguns municípios e estados preveem ou, em algum momento, previam a multa de mora em percentual superior a esse de 20%, e como não há modulação, o contribuinte pode requerer em juízo a repetição de eventual pagamento indevido”, aponta o tributarista.

Modulação de efeitos

Quanto à modulação de efeitos, o voto de Toffoli também saiu vencedor. Ele determinou que a não incidência do ISS sobre as etapas intermediárias de produção valerá a partir da ata do julgamento, e que, com exceção das empresas que ajuizaram ações judiciais até a data, os contribuintes não terão direito de pedir de volta eventuais valores de ISS pagos de forma indevida. Por outro lado, o relator determinou que as empresas não poderão ser cobradas de forma retroativa em caso de possibilidade de cobrança de IPI ou de ICMS.

Ele afirmou que, se a empresa fabrica um produto nas etapas intermediárias da industrialização para fins de comercialização, deve incidir o ICMS. Porém, se o produto é para consumo próprio, incide o IPI. “A intenção do contribuinte é recolher apenas o IPI ou ICMS, dependendo da utilização vai ser ICMS, dependendo da utilização vai ser IPI. Apenas os dois tributos são figuras a incidir sobre esse ciclo”, declarou.

A única situação em que será permitida a restituição é a de bitributação, ou seja, se ocorreu a cobrança conjunta de ISS e ICMS ou IPI. Nestes casos poderá ser pedido de volta o ISS, mas não os demais tributos. Nas hipóteses em que não houve o recolhimento de nenhum imposto, deve incidir o IPI ou o ICMS, a depender do tipo da operação.

Inicialmente, os ministros Luiz Fux e Luís Roberto Barroso acompanharam o voto de Toffoli com ressalvas no trecho da modulação. No entanto, na sessão de hoje eles decidiram acompanhar o posicionamento na integralidade.

Nesse ponto, ficaram vencidos os ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Gilmar Mendes. Em seu voto, Gilmar disse não considerar que o IPI foi objeto de questionamento na demanda dos contribuintes, levando em conta o que foi dito pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PFGN). Segundo a representante da PGFN durante sustentação oral no julgamento desta quarta, o fato de o IPI ter sido mencionado “em um ou outro ponto” da petição inicial não faz do tributo uma questão de controvérsia no julgamento.

Teixeira explica que a preocupação da PGFN envolve o fato de a modulação afastar a possibilidade de o fisco cobrar o IPI anterior ao julgamento da ação. Na avaliação do tributarista, é provável que a procuradoria apresente embargos questionando a tese proposta por Toffoli.

Fonte: Jota 


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