Recentemente, os holofotes envolvendo a reforma tributária foram deslocados especialmente para esse imposto
ARTIGO|*Ednaldo Rodrigues de Almeida Filho é advogado do Candido Martins Advogados e possui 13 anos de experiência na atuação nas áreas consultiva (consultoria regular, planejamento tributário e operações de M&A) e contenciosa (litígios administrativos e judiciais), representando interesses de clientes corporativos dos mais diversos setores econômicos, de âmbito local e internacional. Possui bacharel e doutorado em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE).
• Até pouco tempo atrás, os debates da reforma tributária giravam em torno das discussões sobre o consumo e renda
• O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) é de competência dos Estados e do Distrito Federal
• Muitos Estados têm aproveitado a “oportunidade” para aumentarem as alíquotas do imposto até o limite de 8%
Até pouco tempo atrás, os debates da reforma tributária giravam em torno das discussões sobre o consumo (instituição da Contribuição sobre Bens e Serviços, do Imposto sobre Bens e Serviços e do Imposto Seletivo) e renda (tributação dos lucros e dividendos, extinção do JCP, mudança na tributação das offshores e dos fundos de investimentos).
Com a edição da Emenda Constitucional (EC) nº 123/2023, no entanto, os holofotes foram deslocados para um outro tributo: o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), de competência dos Estados e do Distrito Federal.
A principal mudança foi o estabelecimento da obrigatoriedade de as alíquotas do ITCMD serem progressivas em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação, ou seja, de aumentarem à medida que cresce a base de cálculo, sistemática que teve sua constitucionalidade referendada pelo STF (RE 562.045 – Tema 21 da Repercussão Geral) antes mesmo da reforma tributária.
Além de promoverem a alteração das suas legislações para estabelecerem a progressividade das alíquotas do ITCMD, conforme o novo regime jurídico constitucional, muitos Estados também têm aproveitado a “oportunidade” para aumentarem as alíquotas do imposto até o limite de 8% autorizado pela Resolução nº 9/1992 do Senado Federal.
No Estado de São Paulo, por exemplo, o Projeto de Lei nº 07/2024 estabelece que a alíquota do ITCMD, que hoje é de 4%, passará a ser progressiva, com percentuais de 2% a 8%, considerando o valor dos bens envolvidos.
Diante desse cenário de alterações na legislação tributária e a consequente elevação na carga fiscal incidente sobre as doações e heranças – ainda mais considerando que tramita no Senado Federal o Projeto de Resolução nº 57/2019, que aumenta a alíquota máxima do ITCMD para 16%) – tem-se verificado, de um lado, uma corrida dos contribuintes para a implementação de planejamentos patrimoniais e sucessórios, e, de outro, um crescente movimento fiscalizatório por parte dos Estados em busca de incremento na arrecadação.
Nesse embate entre fisco e contribuinte, um dos temas mais controvertidos diz respeito à base de cálculo do ITCMD incidente na transferência de participações societárias não negociadas no mercado.
Com fundamento nos artigos 38 e 148 do CTN, os Estados têm defendido a possibilidade de arbitramento da base de cálculo do ITCMD pelo valor venal (percepção de valor do mercado) das participações societárias transferidas.
No entanto, no caso de participações societárias que não possuam valor de mercado, ou seja, que não tenham sido objeto de negociação no mercado de ações, deve ser considerado o seu valor patrimonial, isto é, o valor apurado em balanço patrimonial específico levantado no momento da transferência das participações societárias.
De fato, sob a ótica específica da estruturação dos planejamentos patrimoniais e sucessórios, o cálculo do ITCMD sobre o valor patrimonial é o mais correto a ser aplicado, pois reflete o patrimônio líquido da empresa. Avaliar participações societárias pelo valor de mercado extrapola o conceito contábil de valor patrimonial.
Nesse sentido, o Estado de São Paulo possui regra específica sobre o tema. Nos termos do artigo 14, § 3º, da Lei Estadual nº 10.705/2000, artigo 17, § 3º, do Decreto nº 46.655/2002 e item 11.2.2.b, do Anexo VIII, da Portaria CAT nº 15/2003, no caso de bens ou direitos que não possuam valor de mercado, ou seja, que não tenham sido objeto de negociação nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à ocorrência do fato gerador do ITCMD, deve ser considerado o seu valor patrimonial.
A despeito disso, em 2021, a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, por meio da Resposta à Consulta Tributária nº 24.429, determinou o uso do valor patrimonial real das participações societárias para o cálculo do ITCMD. Considerando o numeroso contencioso sobre a matéria, tudo indica que tal entendimento vem sendo mantido pelas autoridades fazendárias.
No entanto, atualmente, a questão se encontra pacificada no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que manifesta entendimento favorável aos contribuintes, adotando como base de cálculo o valor patrimonial contábil das participações societárias transmitidas, tal qual descrito no balanço da empresa .
E, considerando a impossibilidade de o Superior Tribunal de Justiça analisar eventual violação à legislação estadual, a exemplo da Lei nº 10.705/2000 (vide REsp nº 1.744.718/SP), tudo indica que as decisões favoráveis proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo serão mantidas pelas instâncias superiores.
Assim, ainda que o posicionamento das autoridades administrativas possa representar um risco de autuação objetivando a cobrança do ITCMD sobre o valor de mercado das participações societárias transmitidas, o Poder Judiciário é firme no sentido contrário, adotando o valor patrimonial contábil como base de cálculo do imposto.
Fonte: E|Investidor